É interessante notar a quantidade cada vez maior de longas nacionais que tentam dar voz para segmentos à margem da sociedade, sendo tratados como escória por um setor dominante. Um desses são os usuários de crack, vítimas da droga e do sistema social nefasto, acabam por viver nas chamadas “cracolândias”, aonde cada dia é uma luta pela sobrevivência em prol do vício. Há uma carência gigantesca no Brasil de políticas públicas a fim de sanar as questões do vício químico. Em meados de 2016, a prefeitura de São Paulo iniciou um projeto de integração desses usuários da droga, dando a eles moradia fixa, emprego, renda, alguma estabilidade e suporte médico e terapêutico. A partir desse programa, a diretora Maíra Bühler faz um documentário observacional sobre a vida desse lugar e de seus habitantes.

A força motriz da narrativa de Bühler é o afeto. Ela personifica cada um dos seus personagens como pessoas que demandam de atenção e tentam por construir em suas vidas pessoais alguma relação de afeto. É pouco usual ver essa representação de usuários de drogas, taxados como esteriótipo de degradação do ser humano. Não é uma questão dela inocenta-los do vício e dos supostos delitos aos quais eles vieram a cometer por conta disso, contudo ela demostra como o afeto consegue transformar a vida dessas pessoas, alinhadas a políticas públicas que enxergam elas como cidadãos necessitados, em vez de delinquentes.

O cerne da questão é perceber como a questão do crack e das demais drogas é uma questão de saúde pública e não de segurança pública. Tal conclusão é tirada de forma implícita, pois o projeto mudou a vida daqueles indivíduos em seu curto período de duração. Infelizmente, o prefeito que sucedeu Fernando Haddad, frente a gestão da cidade de São Paulo, “descontinuou” o projeto, por considerar valorização ao viciado (!). Diante disso, os nossos protagonistas retornaram a rua, sendo que grande parte sumiu. Aos poucos que a equipe do documentário conseguiu encontrar, ainda há a lembrança de como eles eram tratados com dignidade quando tinham teto. Quando eles existiam para a sociedade.

Ainda que seja uma temática pesada, o filme consegue envolver e trazer emoção, com protagonistas cativantes, carismáticos. O uso da música como fio condutor da narrativa, a arte que transforma e está presente na vida daqueles indivíduos. É como se o filme não só desse voz a essas pessoas, como os reconhecessem em tela, os eternizando. “Diz a Ela que me viu Chorar” é um filme sobre afeto, acima de tudo. Também sobre a esperança e a relevância das políticas públicas em prol do direito básico de existência do cidadão.

Infelizmente o filme veio justo no momento quando o governo federal do país aprova a internação compulsória para dependentes químicos. Troca-se o afeto pelo pau de arara. Triste pensar como vidas humanas que demandam de afeto, atenção e liberdade terão como resposta a truculência. O retrocesso não tem fim. E como diz um verso da música que titula o filme “Já não posso mais viver assim, diz a ela que me viu chorar”.

 

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