Em uma sexta-feira mais quente que o normal com 20ºC e sol, inicia-se mais um Festival de Cinema de Gramado, tradicional evento serrano que chega em sua 46ª edição prometendo ainda mais renovação e, nas palavras dos apresentadores, “reafirmar os já consagrados”. De fato, 46 anos de história carregam na mala diversas vantagens e desvantagens: se por um lado há todo um peso em função de ser o Festival de cinema com maior longevidade do país, o que implica certos costumes bastante questionáveis, por outro lado, há um interesse aparente em trazer mudanças, tendo em vista que, neste ano, teremos legenda descritiva em quase toda programação, sem contar nas temáticas diversas das produções.

Elenco do Filme O Grande Circo Místico – Foto: Fabio Winter / Pressphoto

Pelo primeiro dia, já podemos prever que teremos um certo embate entre os costumes e o rompimentos destes. Os primeiros dois longas exibidos na noite de ontem já revelam que a divisão e a bipolaridade está ainda mais acentuada não só no país, mas na forma de fazer cinema e do que retratar em tela. O filme de abertura, O Grande Circo Místico, de Carlos Diegues, 18ª película da carreira do renomado artista, é uma ode a tudo que o cinema “antigo” e arcaico representa, ao passo que, A Voz do Silêncio, de André Ristum, que, a despeito de não ser tão jovem, consegue apresentar uma linguagem desafiadora e questionar hábitos e referências.

Chega a ser engraçado tentar entender como os mesmos curadores que escolhem o Grande Circo Místico para abrir o festival, podem também incluir A Voz do Silêncio na mostra competitiva. Beira a hipocrisia ao mostrar na mesma noite um filme como o primeiro que, em pouco mais de 1h e 40 de projeção, consegue romantizar estupro, pedofilia, machismo e diversos outros problemas (que irei apontar na crítica) e, logo em seguida, apresentar uma fita como a segunda em que há uma crítica evidente a nossa sociedade e a basicamente tudo que é rotineiro e considerado padrão.

Diretor André Ristum do filme O Som do Silêncio – Foto: Fabio Winter / Pressphoto

Pelo segundo ano consecutivo, a noite de abertura deixa um gosto amargo na boca. Mal dá para acreditar que estamos no mesmo festival que em 2015 iniciou seus trabalhos com o magnífico Que Horas Ela Volta? e em 2016 abriu com a obra prima de Kleber Mendonça Filho, Aquarius. Isso sem falar nas diversas outras obras espetaculares que já serviram de partida para o evento. Por outro lado, iniciamos a mostra competitiva de forma mais que satisfatória e, se o resto das escolhas dos curadores seguirem a mesma linha de qualidade de A Voz do Silêncio, logo, logo esqueceremos essa bomba que foi O Grande Circo Místico.

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