Corpo e Alma (Teströl és Lélekröl, 2017); Direção e Roteiro: Ildikó Enyedi; Elenco: Morcsányi Géza, Alexandra Borbély, Zoltán Schneider, Ervin Nagy, Zsuzsa Járó, Réka Tenki, Júlia Nyakó; Duração: 116 minutos; Gênero: Drama, Romance; Produção: Ernö Mesterházy, András Muhi, Mónika Mécs; País: Hungria; Distribuição: Imovision; Estreia no Brasil: 21 de Dezembro de 2017;
O fim do primeiro trimestre trouxe consigo uma das maiores controvérsias do ano na internet, com o lançamento da polêmica 13 Reasons Why. A série da Netflix foi muito criticada por sua retratação do suicídio e a maneira com a qual havia lidado com a temática envolvendo depressão. Além de seguir uma linha contraindicada por órgãos médicos, a série ainda parecia romantizar os elementos que trabalhava. Um equívoco também proveniente do temor em se debater algo que é um grande tabu social, apesar de nos últimos anos ter passado a ser encarado de outra maneira, com a devida atenção lhe sendo atribuída.
Algo que Corpo e Alma (Teströl és Lélekröl), submissão da Hungria ao Oscar de Melhor Filme em Língua-Estrangeira, parece estar longe de compreender e, ainda por cima, vai completamente na contramão dessas diretrizes e assinala todas as possibilidades do que podia fazer de errado. O filme de Ildikó Enyedi até pode ter suas boas intenções, mas a maneira como tenta desenvolve-las caracteriza um desastre que é passível de um absurdo desconforto quando encarado pelo que realmente é. Os equívocos cometidos pelo filme são de uma infelicidade imensurável e, caso não apenas revoltem a alguns espectadores, pode ter certeza de que é capaz de causar uma espiral depressiva ainda mais grave.
A forma como desenvolve seus protagonistas tem como princípio desloca-los da realidade cotidiana social em que vivem, porém, no momento em que o próprio filme tenta aproximar-se deles o faz dos jeitos mais errados possíveis. Porque a solidão que se tenta estabelecer, se assumida por completo, caracterizaria um filme muito mais sombrio e de faceta mais pessimista do que acaba por ser Corpo e Alma. Mas como há um romance sendo implementado entre os personagens centrais à trama é necessário que impere alguma conexão entre público e obra, o que é feito através de como são retratadas ambas as figuras.
A ideia de almas gêmeas e um romance platônico é confrontado pela realidade insólita desses dois personagens, cada um com suas peculiaridades; uma deficiência motora e uma doença mental. Dois sintomas que se tornam ainda mais agravantes frente a incompreensão daqueles que cerceiam a ambos. Essas ideias, Ildikó Enyedi comunica com plena capacidade e nos deixa bastante cientes da situação que os acomete. Perdidos em meio ao conjunto de indiferenças os dois se destacam e passam a mudar um ao outro. Mas o ideal de um romance e a realidade deste se fazem um conflito tão discrepante que avassalam a proposta do filme.
A princípio Corpo e Alma funciona, muito por conta de como parece estabelecer carinhosamente ao que vemos se desenrolar através de uma fotografia e design de produção encantadores. Aos poucos, porém, vamos nos aproximando do que realmente se trata a história. Aí encaramos diversas sequências que causam um estranhamento, um choque principalmente entre a dura realidade de Endre (Morcsányi Géza) e uma espécie de pragmatismo de Mária (Alexandra Borbély). Ao contrário do que devia ser feito por conta das consequências finais, no entanto, o filme aborda o confronto de uma maneira que dá respaldo a alívios cômicos e romantiza ações de uma personagem que literalmente não sabe como se encaixar no mundo. Qualquer beleza aqui se torna, então, um pesadelo.
Ao retratar a relação, que surge aos poucos, como algo bonito e tendo por diversas vezes a clara intenção de ser cômico -como nas conversas de Mária com seu “psicólogo”-, Corpo e Alma culmina nos afastando ainda mais da realidade à qual queria nos aproximar, o completo oposto de sua proposta. Porque de maneira alguma faz com que as condições em que se encontrem recebam qualquer reciprocidade dos restantes. Obviamente que a grande maioria das pessoas no mundo não tem o mínimo cacoete para encarar transtornos mentais e psicológicos como deve ser. Este é o caso do filme de Ildikó Enyedi.
Porque não há respeito com sua própria protagonista, sua rejeição social, suas dores e suas capacidades cognitivas -tidas aqui como bizarras-, que culminam em uma sequência que se faz apreensiva pelos fatos, e pelo que se estabelece visualmente no início do filme quando no abatedouro. Todavia, não somente resulta numa mesma situação como a criticada em 13 Reasons Why, por exemplo, enquanto faz de sua resolução, temporária e derradeira, extremamente ofensiva, tudo na tentativa de proporcionar risadas e na desculpa de um respaldo romântico em outrem. Ao privar a personagem de Alexandra Borbély de sua própria individualidade, ao torna-la submissa das vontades alheias e do mundo, e usar almas gêmeas como sub texto, Corpo e Alma estigmatiza a mesma e faz um desfavor a qualquer um que não se enquadre nas falácias de padrões sociais.
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