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Maria Madalena (Mary Magdalene, 2018); Direção: Garth Davis; Roteiro: Helen Edmundson, Philippa Goslett; Elenco: Rooney Mara, Joaquin Phoenix, Chiwetel Ejiofor, Tahar Rahim, Ariane Labed, Denis Ménochet; Duração: 120 minutos; Gênero: Drama; Produção: Iain Canning, Emile Sherman, Liz Watts; Distribuição: Universal Pictures; País de Origem: Austrália, Estados Unidos, Reino Unido; Estreia no Brasil: 15 de Março de 2018;
Garth Davis se demonstrou um exímio cineasta em extrair do público uma reação emocional catártica com seu primeiro longa-metragem. Indicado a 6 categorias no Oscar, seu Lion – Uma Jornada Para Casa (Lion) por pouco não lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Direção. Que feito teria sido para ele. Ainda assim, era demasiado cedo. Ainda mais em um filme que se sustentava por demais nessa característica específica e, ao meu ver, não funcionava como um todo. Talvez não à toa sua primeira indicação não tenha vindo. Demorará mais, caso isso seja algo que o jovem cineasta almeja, pois não é com seu segundo filme que parecerá capaz de converter qualquer um a seu favor.
Mas é neste segundo filme, no entanto, que a característica mais proeminente do diretor se faz um trunfo. Porque, acima de qualquer outra coisa, o olhar que se lança aqui mescla o emocional com uma honestidade invejável. Maria Madalena (Mary Magdalene) está longe de ser uma obra de pregação ou de uma religiosidade panfletária. Garth Davis e companhia estão muito mais interessados em explorar a imagem dessa figura título que, por tanto tempo, foi retratada erroneamente e que, sob um recém publicamente aprovado ponto de vista, tem sua história outra vez contada nas telas.
Há pouca sobriedade na forma como o filme encara seus personagens, mas nada de errado há nisso. Maria Madalena encara, desde o primeiro momento, essas figuras conhecidas por tanto tempo como mitos que vivem num imaginário coletivo. Se sobressaí outra vez o trabalho em conjunto de Garth Davis com o diretor de fotografia Greig Fraser (Rogue One: Uma História Star Wars), que constrói imagens arrebatadoras. Os dois, no entanto, exploram justamente esse olhar com o qual são encarados os personagens, de certa forma divinos. Porém, há também uma contrapartida que torna as próprias imagens em algo mais contemplativo. A todo momento parece estar buscando ali, naquelas imagens, o que resplandece do divino.
Aí é um trabalho conjunto, de diversos elementos, que passam a desconstruir essas figuras, que se tornam os mitos não por serem cegos devotos de Cristo, mas por se verem humanizados e fragilizados frente às intempéries de seu tempo. É mais emocionalmente funcional que Lion porque precisa evocar esses sentimentos, é um filme que se constrói em cima desses sentidos, porque o que é prometido aos personagens, apóstolos de Cristo, é algo intangível, como nossos sentimentos. É uma obra que se escora, por muitos momentos, nesse salto de fé, em que se acredita em algo que sequer é compreendido plenamente.
Mesmo assim, comete erros. O Judas do filme tem em seu desenvolvimento narrativo demasiados problemas. A maneira como age o filme, tratando como se fosse alguma novidade uma história batida, prejudica a própria narrativa. Pior, a forma como é conduzido todo o desenvolvimento do personagem culmina em algo cuja resultado é simplesmente caricato. Tudo que era orgânico até então parece soar de uma forma mecânica, uma obrigação que torna enferrujado todo o funcionamento do sistema, que desanda de maneira bastante destoante do que havia se acompanhando até ali. As motivações que tornam Judas numa espécie de vilão soam tolas, e assim são trabalhadas durante todo o filme. Fazendo parecer muito mais um excesso.
Excessos, aliás, se fazem um problema no ato final do filme. Da chegada em Jerusalém à crucificação de Cristo é uma parte que parece feita às pressas, que vai na contramão de todo o restante do filme. O reflexivo dá lugar a um tom caótico, contudo, diferente de ser algo positivo, é uma consequência do quanto se vê abarrotado para ser resolvido em tão pouco tempo restante de filme. O que acontece é que há uma correria tremenda e parece até haver um descaso, pois já se conhece dada parte da história. O que contradiz outros momentos no filme. É somente uma prova de como Maria Madalena decaí, inevitavelmente, em seu ato final.
Mas o que me encanta, ainda mais sendo alguém que não compartilha dessas crenças, é como Garth Davis consegue canalizar a paixão que transpassa seus personagens. É muito interessante como se vê estabelecido o Jesus Cristo de Nazaré de Joaquin Phoenix (Vício Inerente). Um homem que supostamente atende a um chamado divino e que, em meio a isso, perde sua própria essência, porque precisou deixar de ser quem quer fosse, para ser aquele em quem seus seguidores acreditavam. Uma figura que se vê em constante dor e conflito interno, algo de uma beleza singular. Alguém que encontra sua paz em Maria Madalena.
Personagem que é vivida por uma Rooney Mara (Peter Pan) inspirada, ainda que longe de seus melhores trabalhos. A atriz encarna o que Garth Davis quer expressar, e consegue representar justamente esse porto seguro que, muitas vezes, Jesus busca nela. Porém, assim como todos os outros apóstolos, acaba sendo uma coadjuvante de sua própria história, porque todas as ações são em prol do “filho de Deus”. O trabalho é ofuscado, também, exatamente quando começam a surgir tramas paralelas, como discussões entre os próprios apóstolos sobre as atitudes daqueles que seguem Cristo. É quando o filme começa a se encaminhar para o decepcionante terceiro ato.
É um filme bem-sucedido em seu contexto emocional, ainda que possa desagradar por seu ritmo mais cadenciado e sua aura contemplativa, embalada pelo belíssimo último trabalho da carreira de Jóhann Jóhannsson -o compositor faleceu em Fevereiro desse ano. Entretanto, Maria Madalena falha em alguns quesitos mais importantes. Parece ter certo receio em bater de frente com a reputação que a igreja disseminou de sua figura, praticamente ignorando isso, com exceção de uma única e corriqueira cena mais para o início do filme, e as cartelas explicativas ao final da projeção. Além disso, chega a ser difícil acreditar no discurso feminista que se tenta estabelecer, ingênuo em vista da época dos acontecimentos e de uma hipocrisia quando se curva perante a uma instituição que ainda insiste em pensamentos retrógrados.
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