Crítica | Estrelas Além do Tempo

Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, 2016); Direção: Theodore Melfi; Roteiro: Allison Schroeder e Theodore Melfi; Elenco: Taraji P. Jenson, Janelle Monáe, Octavia Spencer, Kevin Costner, Jim Parsons, Mahershala Ali, Kirsten Dunst; Duração: 127 minutos; Gênero: Biografia, Comédia, Drama; Produção: Donna Gigliotti, Peter Chernin, Jenno Topping, Pharrell Williams, Theodore Melfi; Distribuição: Fox Film do Brasil; País de Origem: Estados Unidos; Estreia no Brasil: 02 de Fevereiro de 2017;

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Theodore Melfi se prova um diretor com um tato apurado para captar seus atores em cena. Mas não é o mise-en-scène que funciona, e sim um quesito emocional que ele consegue fazer com que seu elenco imprima em cena. Algo proveniente, também, da maneira como faz uso das cenas em seu roteiro, enquanto constrói o filme.

Aqui co-roteirista e diretor, anteriormente ele havia lançado um projeto com Bill Murray, Naomi Watts (O Castelo de Vidro) e Melissa McCarthy, esta última numa atuação diferente do que nos acostumamos a ver vindo dela, mas todos recheados de esperanças para uma temporada de premiações. Em Um Santo Vizinho (St. Vincent), porém, já se deixava bastante claro as artimanhas narrativas triviais que o cineasta tinha em suas mangas.

O que vemos se repetir em Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures), inclusive uma competência técnica, em termos estéticos e ou visuais, cuja o diretor ainda carece de uma identidade própria, pois não vai além do que é o correto. Claramente deixando de correr riscos.

Jogar seguro, em terrenos já conhecidos, em certos casos não são problema algum. Pelo contrário, atenuam a qualidade da temática. Não há duvidas de que Theodore Melfi sabe disso, e por isso mesmo aqui acerta em muita coisa com seu filme. Entretanto, ao se vender barato, torna mais do que questionável se o acerto, neste caso, é o correto.

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Porque é difícil acreditar que Estrelas Além do Tempo não vá emocionar ao público; que não o fará sair se sentindo bem do cinema; que não terá a capacidade de conversar, e inspirar, novas gerações que assistam ao filme. É inevitável assumir que o cinema, assim como a história, carece de mais atenção tanto para mulheres como para minorias. Sentir-se representado é algo que faz bem à vida.

Mas representar com fidelidade, o mais próximo do possível, é ainda mais contundente. Eis então que o filme entrega cenas constrangedoras, como a da segregação dos banheiros. Muitos, ou provavelmente a maioria, se dirão impactados com tal sequência. Mesmo sendo perceptivelmente destoante, até da realidade que conhecemos. Além, inclusive, de elevar a outro patamar uma figura que, aqui, não só podia, como devia de ficar em segundo plano.

Todavia, é a personagem de Kirsten Dunst (O Estranho Que Nós Amamos) quem realmente incomoda em Estrelas Além do Tempo. Qualquer atriz faria o mesmo, e o importante aqui não é a qualidade da atuação, num papel onde nem se exige da atriz. O que importa é como esse papel representa a grande parcela do público que sairá do cinema se sentindo bem.

Porque por mais que não se reconheça, é numa personagem loira, caucasiana, de preconceitos velados, com quem a grande maioria se sentirá representada. E o problema de se compreender a personagem, ou pensar fazê-lo, é justamente o mesmo de se sair com um sorriso no rosto ao fim da sessão. Pois aí presta-se exatamente a mesma função da personagem na trama. Ainda que nem mesmo o diretor perceba que o faz.

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O que nos leva a determinado momento do filme, onde certa personagem anda pela rua com os filhos. Do outro lado, a polícia chega para dispersar um grupo de manifestantes contra a segregação. Num ligeiro caminhar, a personagem se retira dali, como se aquilo não lhe acometesse igualmente. Entretanto, imediatamente na sequência seguinte a segregação se faz ouvir. Seria duro, voraz, impactante.

Porém, na cena seguinte já estamos em um ônibus onde ela diz aos filhos em um alívio-cômico, mesmo exasperada por ter sido expulsa de uma biblioteca pública, que está em seu direito como contribuinte fiscal do Estado. Ao encarar os manifestantes com um olhar que não aparenta aprovação, o filme faz com que a personagem invalide seu próprio discurso.

Estrelas Além do Tempo, portanto, simultaneamente descontextualiza as figuras que ilumina, mais uma vez às esconde. Agora em relação a toda uma árdua realidade, na qual uma comoção se faz necessária até hoje, quando o próprio presidente eleito dos Estados Unidos não se mostra capaz de reconhecer a história, e respeitar uma das figuras mais contundentes na luta pelos direitos civis do país que tanto quer fazer retornar à grandeza.

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É complicado tocar na ferida, ainda aberta, quando um filme não se predispõe a ser duro com seu público. Os altos e baixos são, via de regra, com cenas no máximo emocionalmente apreensivas, seguidas de momentos alegres. Porque está tudo ainda entalado, enlatado. Ou melhor, velado. Assim como na personagem de Dunst. Mas se passa a mão na cabeça, e temos a permissão de sairmos alegres, até aliviados com nós mesmos.

Histórias assim, penso, precisam revoltar, angustiar. Precisam nos deixar tão inquietos com tudo isso, porque ainda está dentro de nós, ou ao menos na maioria de nós. Além de termos que reconhecer tal fato, saber isso devia ser revoltante, de uma frustração que nos decepcione por não fazermos mais, por não irmos além, seja de qual tempo for.

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