Apesar de ser um festival relativamente novo, o Olhar de Cinema demonstrou com o passar dos anos ter uma identidade muito própria e consistente ao que concerne cada um dos segmentos de sua curadoria. Em coberturas passadas, cheguei até a afirmar – com um certo cinismo, confesso – que a seleção que compõe os Outros Olhares era possivelmente a alternativa mais ‘aventuresca’ de um festival que já é, essencialmente, fora do trivial.

No geral, a linha que separa os trabalhos da Mostra Competitiva dos filmes que encabeçam os Outros Olhares soa bem menos discrepante nessa edição do festival. Arrisco inclusive a dizer que os filmes elencados na mostra paralela estão sendo, de certa maneira, bem mais satisfatórios que os competitivos. Aqui ficam dois pontos positivos e dois pontos negativos que acompanhei nos últimos dias:

 

Outono, Outono (Chun-cheon, Chun-cheon) – Jang Woo-Jin, Coréia do Sul, 2016.

Outros Olhares | Outono, Outono

Com planos de longa duração de diálogos e bebedeiras que ecoam obviamente a obra do conterrâneo Hong Sang-soo, Jang Woo-Jin realiza um recorte delicado, porém doloroso da vida de três personagens em suas jornadas particulares na província de Chuncheon, cidade onde o diretor nasceu. Dentro de um trem que vai de Seoul para a Chuncheon do título original, somos apresentados a um casal de meia-idade e um rapaz que dividem um acento no vagão. A partir dali, o filme se segmenta em dois núcleos, na primeira parte acompanha o jovem Ji-Hyun retornando pra casa depois de ter sido rejeitado numa entrevista de emprego na capital sul-coreana. Nos dois dias que seguem, Hyun vai beber, orar em templos, trabalhar no restaurante da família, tentar se reconectar com um amigo de infância (o que rende uma das sequências mais bonitas do filme) e redescobrir seu lugar no mundo. A conclusão, tragicômica de certa maneira, pontua que nada na vida acontece como a gente espera.

Em seu segundo momento, o filme revisita as mesmas paisagens que o primeiro personagem percorre, na companhia de um casal na faixa dos 40 e poucos anos que realiza uma viagem para se conhecer. Menos expositivo e verbalizado que a sequência anterior, ao longo dos mesmos dois dias acompanhamos os personagens se descobrindo pessoalmente e afetivamente, seus desconfortos com a situação e o sentimento que obviamente brota mas quase nunca ganha voz; A sequência em questão, um almoço banhado pela entrada e pela saída da luz solar que revela muito mais sobre como esses personagens se aproximam e se afastam do que qualquer diálogo que eles trocam. É possivelmente a imagem que mais me tocou no evento até o momento.

 

A Casa de Lúcia – João Marcelo e Lucia Luiz, Brasil, 2017

Outros Olhares | A Casa de Lúcia

O documentário acompanha o retorno de Lucia, primeira imigrante de origem síria a conseguir uma transferência pra uma universidade brasileira, para o Kuwait, local onde parte da sua família se instalou depois do agravemento dos conflitos na Síria. Praticamente um diário de viagem filmado, o filme opta por um clima lisonjeiro ao longo da projeção, em grande parte pelo registro de festas e encontros de pessoas separadas pela guerra. Obviamente, a intenção sempre é muito boa, mas o resultado em si soa pouco ou quase nada autêntico.

O filme me remete diretamente ao trabalho do pernambucano Marcelo Pedroso em Pacific, o discurso construído a partir de um material realizado parcial ou totalmente por terceiros – no caso do filme paranaense, João Marcelo decidiu creditar a personagem na direção, uma escolha torta que me parece mais política do que artística – com uma grande discrepância de foco e punho entre os dois filmes. Às vezes esforço não é o suficiente.

 

Alipato – A Brevíssima Vida de Um Malandro (Ang Napakaigsing Buhay Ng Alipato) – Khavn, Filipinas/Alemanha, 2016.

Outros Olhares | Alipato

A projeção do inusitado e obscuro Alipato causou tanto a debandagem do público durante a sessão, quanto entusiasmadas palmas ao subir dos créditos. Curitiba tem uma plateia tímida e é bem raro por aqui qualquer demonstração de exaltação ou menosprezo em alguma sessão de cinema (com exceção das palmas protocolares quando algum realizador se faz presente).

Felizmente, o filme é um desses raros exemplos que pinta em toda edição que parece não ter qualquer receio de confrontar o olhar do público e as diretrizes do evento. A natureza hiper-violenta de um futuro distópico – que certamente reflete as mazelas sociopolíticas do presente da Filipinas – encontra escopo numa linguagem pop e videoclipada que certamente torna o filme um tanto mais palatável, porém sem encolher o tamanho do seu impacto.

 

Homem Livre – Alvaro Furloni, Brasil, 2017.

Outros Olhares | Homem Livre

Segundo caso onde uma obra não sobrevive só de boas intenções, o carioca Homem Livre não funciona nem como crítica social, muito menos como filme de gênero. O filme acompanha um ex-astro da música pop que, depois de anos na cadeia por um homicídio, encontra refúgio numa igreja neopentecostal. Se por um lado a obra de Furloni não careça de grandes intenções – ainda que eu consiga pensar em exemplos recentes bem mais assertivos nessa crítica ao universo evangélico, vide seu conterrâneo Mate-me Por Favor – o filme falha miseravelmente ao dar conta de aspectos bem básicos de linguagem. O roteiro nunca se encontra na mesma nota da atmosfera da direção ou do trabalho dos atores, deixando um rastro de chavões e diálogos constrangedores na boca dos mesmos.

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