“Para Onde Voam as Feiticeiras” foi a escolha de filme de abertura da nona edição do festival internacional de Curitiba – Olhar de Cinema – em sua edição completamente remota. O diálogo é o ponto de partida do longa, ao focar num grupo de performers LGBTQIA+ na cidade de São Paulo, expondo desentendimentos, pré-conceitos dos membros ao mesmo tempo que aborda suas formas de expressões e manifestações artísticas, no seu modo de enfrentamento frente à crescente onda conservadora nacional, bem como sua forma de manifestar sua existência.
Ao não se restringir em determinado personagem, os diretores acertam em fazer do longa menos uma exposição coletiva para tornar-se uma construção de um coletivo como um todo, inclusive frente as discordâncias. Expõe um prisma de um movimento, que apesar de unido, é fragmentado. É um reflexo que não se restringe a um grupo, sobretudo no Brasil: Desde as eleições de 2014, o país encontra-se divido, com uma crescente onda conservadora que assolou o país, levando à queda da então presidente Dilma Rousseff em 2016, e a ascensão e vitória do atual presidente da república em 2018. O fator determinante tanto em 2016 quanto 2018 foi a união de grupos de conservadores e da direita liberal, obstinando a vitória a todo custo.
Mesmo com essa suposta união tendo sido breve – atualmente havendo uma dicotomia entre os dois grupos direitistas – o mesmo não ocorreu com a esquerda, a “atual” oposição. A divisão se estendeu para além de movimentos partidários, refletindo nos movimentos sociais, desnorteados e com diálogo restrito ao seu nicho. O filme reflete a essência desse conflito no movimento em questão, com bastante discrição, porém potência, sobretudo ao dar visibilidade às vozes mais marginalizadas dentro dessa minoria social.
Ao tentar pregar um discurso conciliatório entre o grupo, em prol dessa união contra o grupo de direita extremista, que tenta oxigenar as minorias sociais com a escassez de políticas públicas, “Para Onde Voam as Feiticeiras” perde seu potencial. Afinal, é preciso não só dar voz aos conflitos entorno dos movimentos sociais, como também focar na busca de consensos para além do pragmatismo. Tal política conciliatória culminou, por exemplo, nos governos de centro-esquerda petistas, que permitiram a elite econômica ascender como nunca, até o momento que descartou o governo petista.
O discurso de superação das diferenças quase invalida a essência do filme – essa que reflete um país em evidente cisão. Acaba tendo um diálogo restritivo, num pequeno nicho. Apequena, portanto, o seu verdadeiro potencial, sobretudo por ter uma riqueza entorno de seus personagens – por suas individualidades e por suas expressões artísticas. É um ponto de vista bastante interessante, gera empatia e curiosidade, mas fica numa sensação de que o caminho foi mais engrandecedor do que realmente foi – até mesmo decepcionante. Uma contradição.
Para Onde Voam as Feiticeiras (2020); Direção: Eliane Caffé, Carla Caffé, Beto Amaral; Roteiro: –; Elenco: Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish, Gabriel Lodi, Mariano Mattos Martins, Preta Ferreira, Thata Lopes, Wan Gomez; Duração: 89 minutos; Gênero: Documentário; Produção: André Montenegro, Rui Pires; País: Brasil; Distribuição: –; Estreia no Brasil: —