“Estilhaços” (Esquirlas, 2020); Direção: Natalia Garayalde; Roteiro: –; Elenco: Esteban Garayalde, Nicolás Garayalde, Carolina Garayalde, Gabriela Garayalde, Esther Rostagno; Duração: 70 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Eva Cáceres; País: Argentina; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;
Não é possível subestimar, nunca, o poder do registro de imagens. Mesmo que a ingenuidade seja quem a esteja conduzindo. Porque Natalia Garayalde dificilmente pensou, aos 12 anos de idade, que estivesse fazendo um registro histórico com a câmera que seu pai comprou para a família gravar os momentos juntos. Tornada cineasta mirim por acaso, a jovem faz um registro do incidente ocorrido numa cidade Argentina, nos anos 90, quando os estilhaços de uma explosão em uma fábrica militar nas redondezas atingiram a cidade onde ela morava, deixando sequelas que se arrastam por muito mais tempo do que qualquer figura pública quis fazer parecer a época. Mas esse registro se mostra ainda pertinente em “Estilhaços” pela forma como essa mesma Natalia Garayalde revisita suas imagens duas décadas depois. O material está lá, mas é o caminho que ela encontra para construir sua narrativa que os dá uma força visceral. A transição no momento que antecede a explosão é sublime, faz até parecer que, de alguma forma, tais sequências foram feitas uma a espera da outra. Mas não passavam de nada mais do que um acaso, e é a cineasta, agora adulta, quem os transforma em algo para além do acaso.
Dado os tempos que vivemos, as respostas governistas sobre os acontecimentos poucas surpresas causam, sendo só mais outro capítulo na história de tragédias tratadas como uma nota de rodapé por quem mais devia se importar e agir em prol da sociedade. Assim, a justaposição que Garayalde constrói se torna muito interessante. A falta de respostas sobre o ocorrido gera um efeito cascata naqueles no entorno da fábrica, e na família da cineasta. Família essa que vai sofrendo com as consequências físicas e psicológicas daquilo, desamparada e à mercê da incerteza. Revisitar essas imagens é algo doloroso, ainda mais em se tratando de algo tão pessoal, íntimo. Mas “Estilhaços” não é feito só de coragem, a maneira como essas imagens de arquivo são encaradas é também uma busca por repostas, por compreensão. A manipulação delas nada mais é que um processo de cura ou aceitação, uma forma de fazer tudo isso ter um sentido. É complicado assimilar o poder que as imagens feitas por uma criança de 12 anos ecoam. É fácil assimilar o sentimento da cineasta que envolve seu projeto, e compreender os efeitos daquilo que ela viu décadas atrás e nós, agora, vemos de maneira quase voyeurista. Um privilégio e uma enorme responsabilidade processar tudo isso.
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