A realizadora chilena Camila José Donoso é a grande homenageada da Mostra Foco, do 8º Olhar de Cinema. Seu mais novo longa-metragem, “Nona – Se me Molham, eu os Queimo” teve sua estréia nacional por aqui. A partir de um cinema completamente intimista, Camila constrói uma estória aonde contextualiza o cenário político de seu país, junto ao cotidiano de sua avó. É bem básico o enredo: Nona (Josefina Ramirez) é uma senhora de 66 anos, após uma vingança contra seu ex-amante (Eduardo Moscovis), ela vai para o interior. Após sua mudança, o Chile começa a sofrer de vários incêndios, sendo uma das principais regiões atingidas justamente a que a sexagenária foi morar. Há uma co-relação entre os casos?
Há um tom completo de gozação pelo próprio mistério. A figura de Nona é ardilosa, carismática por sua ironia. Sua fixação pelo fogo é quase um vislumbre do poder. Nona é uma mulher que só na terceira idade veio realmente a se conhecer, como mulher e cidadã. O fogo é poder, revolta e liberdade. Não por acaso, seu primeiro alvo é um homem, completamente enfurecido pela rejeição. Uma quebra de sua masculinidade tóxica e, incrivelmente frágil.
O carisma de Josefina Ramirez, avó da diretora Camila José, eleva a narrativa a outro nível. Nona é uma personagem encantadora, independentemente dela estar ateando fogo, ou não, na região – algo nunca explicitado- nós torcemos para que nada de ruim aconteça a ela. Queremos seu triunfo. Em paralelo a narrativa “oficial”, vemos vídeos caseiros feitos em super 8 de Josefina, após ela fazer uma operação de catarata, sendo cuidada pela neta. Essa mistura entre o real e o imaginário gera empatia e intimidade do público, que se sente ora cúmplice ora mero voyeur dos atos da personagem. É uma lástima que Josefina Ramirez não tenha sido ainda descoberta como uma grande atriz de cinema, pois ela tem uma presença magnética em cena.
Há ainda o fato dos incêndios em questão terem acontecido no Chile, sem nenhuma explicação realmente oficial se foram propositais ou acidentais. Podemos levar ainda o fato do país ter passado por uma das mais brutas e sanguinárias ditaduras na América Latina, esse fogo serve de alegoria para purificar o que está corroído, para lá de infértil.
“Nona – Se me Molham, eu os Queimo” pode não ser o longa mais marcante do Olhar de Cinema, mas ainda assim é um dos mais divertidos. Sua leveza em cima de temáticas complexas, como lidar com o envelhecimento, tornam ele divertido e original. Novamente, pode não ser memorável, contudo rende bons momentos.
Confira aqui nossa cobertura do 8º Olhar de Cinema.