“O Amor Dentro da Câmera” (2020); Direção: Jamille Fortunato e Lara Beck Belov; Roteiro: Jamille Fortunato e Lara Beck Belov; Elenco: Orlando Senna, Conceição Senna; Duração: 84 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Tenda dos Milagres Produções Artisticas; País: Brasil; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;
A arte possui uma vasta história de artistas e musas que, independente de gênero e sexualidade, criam um vínculo entre as produções e as relações amorosas . Mesmo que algumas soem antiéticas, o vínculo entre a paixão de um relacionamento e o fazer arte é um dos mais fortes que existem. Porém, a maioria desses casos de artistas e musas são casos problemáticos, às vezes criminosos, existe uma utopia que pode ser alcançada. Um dos casos mais emblemáticos é o de Ingmar Bergman e Liv Ullman, junto com o diferente caso de Agnès Varda e Jacques Demy. Por todos serem nomes extraordinários, esse vínculo conseguia engrandecer ainda mais os feitos dos diretores, como o impressionante “Jacquot de Nantes” da diretora francesa.
Nesse inevitável laço das relações humanas e do cinema é que está o cerne de “O Amor Dentro da Câmera“, documentário biográfico do casal Conceição e Orlando Senna, cineastas na ativa desde os primórdios do cinema moderno brasileiro. Acompanhando o agora idoso casal, o filme de Jamille Fortunato e Lara Beck Belov procura na ternura e espontaneidade do mesmo em suas interações como guia para contar a carreira de ambos. Um vínculo natural que engrandece a figura de ambos e ao filme em geral sem tornar-se artificial.
Inclusive, um dos grandes artifícios que torna a obra espontânea é a forma como a lente reage às interações dos dois com a equipe. Em alguns momentos, é nítido que ambos estão de alguma forma saindo do que esperava-se registrar, tornando o trabalho da direção pelo repentino ainda mais nítido. São esses momentos que o diretor define como amor verdadeiro, aqueles que estão atrelados ao convívio e rotina, não a grandes gestos e pieguices, e é em cima deste trecho em específico que parece onde toda a unidade do filme se estrutura. É essa rotina sem o glamour dos sets, de cafés da manhã comuns e rituais de fumo, são partes que influenciaram o percurso como artistas e vice-versa.
O filme também sabe estabelecer seus momentos de maior plasticidade sem parecer mero floreio ou dissonante dos momentos que formam a maioria da unidade. Não só por sua raridade, mas principalmente porque ambos os entrevistados, além de quebrarem a magia em alguns momentos, compreendem que ali está em um âmbito mais performático da obra e fazem de tal forma. Respondem as perguntas como enunciações ou manifestos enquanto a montagem entrecorta com a obra dos mesmos, evidenciando que ali eles estão de fato em frente a câmera como atores sociais. Mas também se permite a ter momentos como Orlando perguntando a necessidade de um plano detalhe no canto de sua boca diretamente a produção.
Ao abordar o tema autoconsciente dos indivíduos retratados em tela, “O Amor Dentro da Câmera” é capaz de dialogar com a relação de ambos os diretores e tirar máximo proveito do potencial que há na história dos veteranos do cinema. E o que tira esse proveito é a não dissociação entre a vida pessoal e profissional de um artista que tornou a sua obra maior pelo seu relacionamento com sua musa.