GLOW (3ª Temporada) (Netflix, 2017-); Criada por: Liz Flahive & Carly Mensch; Direção: Claire Scanlon, Mark A. Burley, Jesse Peretz, Anya Adams, Alison Brie, Lynn Shelton, Phil Abraham; Roteiro: Liz Flahive, Carly Mensch, Sascha Rothchild, Rachel Shukert, Isaac Oliver, Marquita J. Robinson, Victor Quinaz; Elenco: Alison Brie, Betty Gilpin, Sydelle Noel, Britney Young, Marc Maron, Jackie Tohn, Kate Nash, Britt Baron, Gayle Rankin, Chris Lowell, Kimmy Gatewood, Rebekka Johnson, Sunita Mani, Kia Stevens, Ellen Wong, Marianna Palka, Kevin Cahoon, Toby Huss, Geena Davis; Número de Episódios: 10 episódios; Data de Lançamento: 09 de Agosto de 2019;
Se as protagonistas alçaram voo ao fim da primeira temporada, em seu segundo ano enfrentaram as turbulências que surgem como consequência do confronto ao patriarcado atuante nas diversas estruturas sociais que frequentamos cotidianamente, exibindo uma sensibilidade impressionante ao lidar com a temática de assédio em meio ao movimento #MeToo. Nesta terceira temporada “GLOW” dá seguimento a esse antagonismo fundamental e necessário, colocando as protagonistas no rumo de um caminho no qual estas possam controlar suas próprias narrativas. Aparentemente, afinal, nenhum conflito é diluído num passe de mágica e, para demonstrar isso, chegamos ao melhor ano da série numa temporada que se apresenta completamente à vontade.
O que potencializa essa capacidade que a série tem de fazer algo cômico fluir naturalmente e com demasiada sutileza para um tom mais dramático que nos pega não exatamente de surpresa, mas de certa forma desprevenidos contra um golpe tão forte. O que também só é possível porque a estratégia é executada quase à perfeição, se fazendo, portanto, certeira para aqueles que se deixam envolver com os personagens deste universo, que não se faz tão distante do nosso. Essa aproximação também segue sendo essencial para captarmos toda essa potência dramatúrgica que se apresentava até timidamente na primeira temporada, mas da qual agora se tem plena consciência.
O resultado é um olhar bastante particular sobre diferentes temáticas que envolvem toda essa variedade de personagens e personalidades que integram a série. Diversidade é, até certo ponto, a chave para a série ir além em diversos momentos. Contudo, não é exatamente aí que reside o protagonismo de “GLOW”, apesar de ser um dos elementos atuantes com mais força dentro da narrativa. O protagonismo feminino segue sendo o principal mote da série, mas se dissolve aos poucos de maneira a se fazer sentir, também, crescente por todos os lados da maneira mais sutil possível, inclusive faz uso disso até como uma carta na manga.
A reviravolta dos “negócios nefastos demais para minha namorada” revela não só o desenvolvimento de uma personagem, mas a compreensão de como existir nesse meio dominado por figuras que jogam sujo para se perpetuar mina até mesmo quem tem talento e competência de prosperar. É uma decisão ambígua, porque deve ser questionada, é uma traição, de certa forma, mas também não o é. É como o jogo é jogado, e a forma com a qual a série brinca com isso, dando poder tal a uma de suas personagens, é puro deleite, porque nos brinda com a demonstração de força pela qual sempre se aguardou.
Se falarmos de diversidade e representatividade, a questão LGBT se faz cada vez mais presente, porém, tratada com delicadeza conforme um ou outro personagem assume sua homossexualidade, problematizando certas percepções com precisão quando necessário. Assim, algo que foi pré-estabelecido na temporada anterior retorna neste terceiro ano e, aos poucos, “GLOW” vai explorando isso, até parece deixar de lado. Todavia, quando as peças se encaixam, culmina num dos momentos mais tocantes da série, numa realização que pontua mais um ótimo desenvolvimento de personagem e gera uma catarse mútua entre público e personagens na maneira com que é filmada por Phil Abraham.
Contudo, o grande destaque da temporada é, provavelmente, o foco dado a Sheila, tornando Gayle Rankin o grande nome neste terceiro ano. A transformação por qual sua personagem passa engloba tudo que “GLOW” tem de peculiar e que torna a série em algo tão singular. A exploração dramática da personagem sem perder o tom cômico é um contínuo alívio que volta e meia faz questão de botar um sorriso no rosto do espectador, que precisa apenas se encantar com o crescimento da personagem enquanto observa Rankin fazer seu melhor, numa atuação soberba que mostra que a jovem atriz ainda tem muito potencial a ser explorado, mas aqui atinge seu ápice atual.
Com isso, as lutas e o programa em si ficam de lado, é verdade. Estão ali apenas como um pano de fundo para aquilo o que Liz Flahive e Carly Mensch querem explorar com suas personagens. Ainda assim, quando temos esse atrativo é extremamente lúdico e sagaz a maneira como se utiliza, como se reinventam estas mulheres. Para contradizer qualquer um que possa alegar que deixa a desejar, a luta final mascarada como um especial de Natal é um dos momentos mais divertidos da série, e a coreografia implementada é bastante empolgante. A sensação que as personagens relatam pós-luta é, sem duvidas, a mesma que pode ser captada pelo público.
É nessa bem-sucedida empreitada, de imprimir exatamente o que deseja, que “GLOW” se tornou, e agora se firma, como uma das melhores comédias em exibição na atualidade. Com frescor e criatividade, com tramas envolventes e personagens relacionáveis, debatendo temáticas relevantes com sobriedade e inteligência. Por mais que, no fim, algumas tramas fiquem mais espaçadas umas das outras, a unidade narrativa se sobressaí, e seu pleno funcionamento não deixa questões que cada passo adiante não apenas é tomado com segurança, mas com a certeza de que é devido se desafiar e desafiar as convenções pré-estabelecidas que, por tanto tempo, impediram essas figuras de alçarem voo como são, sem precisar de fantasias para expressar suas verdades.
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