Virgens Acorrentadas (Virgin Cheerleaders in Chains, 2017); Direção: Paulo Biscaia Filho; Roteiro: Gary Gannaway; Elenco: Elizabeth Maxwell, Kelsey Pribilski, Ezekiel Swinford, Don Daro, Gary Warner Kent, Michael Morford, Evan Glover, Larry Jack Dotson, Woody Wilson, Lindsey Lemke, Ammie Nicole Leonards, Shane Gannaway, Kaci Beeler; Duração: 94 minutos; Gênero: Horror, Comédia; Produção: Gary Gannaway; País: Brasil, Estados Unidos; Distribuição: Moro Filmes; Estreia no Brasil: 09 de Agosto de 2018;
“Boa sessão e não levem o filme a sério”, disse Paulo Biscaia Filho antes da primeira exibição para a imprensa de Virgens Acorrentadas, o primeiro filme do realizador brasileiro em parceria com profissionais dos Estados Unidos. Nada anormal no cinema de gênero as produções multinacionais, muito menos a diversão pretendida com ele e suas arborescentes denominações. Biscaia, em entrevistas, afirma que não se levar tão a sério é o que o cinema de horror faz de melhor. Nesse longa mais recente, clichês que partem desde o penoso processo de escritura, feitura e produção de um filme, até as representações corriqueiras de mulheres a perfis de psicopatas são (des) construídos num roteiro honesto. O filme joga na roda uma crítica interessante ao mercado cinematográfico mais preocupado em bilheterias com longas repetitivos do que no prazer da realização e recepção dos filmes.
Denominado como um meta-slasher-cômico, o longa apresenta Shane (Ezekiel Z. Swinford) como um roteirista jovem e frustrado, dividindo uma casa com a namorada Chloe (Kelsey Pribilski), o irmão drogado e o amigo cerebral com tendências empreendedoras. Todos gostam de filmes de horror e estão dispostos a ajudar Shane a alavancar a carreira, apesar das recusas por grandes produtoras. Se as coisas não funcionam pelas vias comuns, o momento pede o mínimo de ousadia. O roteiro de Gary McClain Gannaway vai por um caminho aparentemente menos arriscado, até contido às vezes, apostando sempre no riso do clichê exposto, mas que logo mostra sinais de estar brincando com a própria cultura estadunidense e seus modos de fazer cinema de horror.
Com a premissa de jovens sem dinheiro mas cheios de vontade, o casal Shane e Chloe descobrem que há muitas formas de fazer um filme, nada diferente do histórico das equipes atrás das câmeras. Nessa saga de encontrar não apenas as atrizes – Shane quer fazer um filme com líderes de torcida histriônicas em trajes sumários – eles encontram pessoas a fim de mostrar à Hollywood com quanto sangue falso, pouca grana e tripas se faz um bom slasher. Nessa busca surge a personagem de Elizabeth Maxwell: Amber é uma stripper que faz questão de desconstruir qualquer esperança no espectador mais ansioso por closes e encaixes de cenas sexy sem motivação alguma. Não apenas ela, mas as personagens mulheres de Virgens Acorrentadas não fazem jus ao título, o que torna tudo ainda melhor.
Após encontrar a protagonista para o filme, é hora de começar a colocar o roteiro em prática e rodar o longa da ficção. É aí que entra o exercício cinematográfico de Biscaia Filho, com camadas e camadas de ironia e olhar crítico do filme dentro do filme, sem deixar de lado órgãos, psicopatas e sangue no meio do caminho, tudo embalado com uma ótima trilha sonora. Com dois filmes bem sucedidos na carreira – além de um ótimo currículo no teatro à la grand guignol – o diretor segue a cartilha de diretores como Wes Craven que, desde a década de 1980, pensaram e repensaram o fazer do cinema de gênero.
Lembrando que muito do cinema produzido nessa década e na anterior refletiam várias angústias pós-guerras. A violência do horror reflete muito os espaços de transição da História, como bem lembra Gabriela Amaral de Almeida, outro nome importante do gênero no Brasil. Aqui, o filme deixa claro que sempre há psicopatas tentando exterminar qualquer intenção, acabando com projetos, ideias e afins em nome, exclusivamente, do seu exercício de poder. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Mesmo que muitos dos tropos de horror estejam presentes em Virgens Acorrentadas, Biscaia Filho nunca leva adiante a recepção corriqueira do gênero, e é aí que reside a sua crítica construída na forma do filme. Afinal, fazer isso seria compactuar com um cinema que se vende para ser apenas superficialidades, passando vazio e efêmero pelas salas de cinema. É sempre bom ver personagens que ironizam as próprias esperanças do espectador, que entregam piadas sobre nossas rotinas e sensos comuns, ainda assim entretendo. O filme estreia em um bom momento para o cinema de horror no Brasil, onde algumas diretoras também aparecem nos mais recentes lançamentos, como Juliana Rojas e a já citada Gabriela Amaral de Almeida (O Animal Cordial). Vida longa ao cinema de gênero no Brasil.
Texto escrito por Emanuela Siqueira.