Nóis por Nóis (2018); Direção: Aly Muritiba, Jandir Santin; Roteiro: Aly Muritiba, Jandir Santin, Henrique Santos; Elenco: Matheus Correa, Ma Ry, Matheus Moura, Maicon Douglas, Otávio Linhares, Luiz Bertazzo, Stephanie Fernandes, Felipe Shat; Duração: 100 minutos; Gênero: Drama; Produção: Antônio Júnior; País: Brasil; Distribuição: Olhar Distribuição; Estreia no Brasil: 12 de Março de 2020;
O cineasta Aly Muritiba vem construindo um cenário contemporâneo que reflete o estado da cidade que, atualmente, habita. Curitiba e seus arredores tem se feito um cenário recorrente na filmografia do realizador, que após “Para Minha Amada Morta” e “Ferrugem”, volta os olhos para a população mais marginalizada da cidade, com “Nóis por Nóis”. Se em seu filme anterior os jovens que protagonizavam a história desfrutavam de certo privilégio e, por consequência, enfrentam problemas mais fúteis, ainda que gravemente pertinentes e extremamente válidos de serem debatidos, aqui, em parceria com Jandir Santin, a realidade que se enfrenta é de uma brutalidade que não dá espaços a qualquer privilégio.
“Ferrugem” e “Nóis por Nóis” servem quase como uma antítese ante ao outro. Se no primeiro o celular é uma ferramenta que, através da irresponsabilidade, gera um ato que destrói vidas, no segundo vidas são destruídas porque registros são uma responsabilidade cada vez mais indispensável. A tecnologia e a forma como ela influencia a vida dos jovens de maneira completamente diferente é um retrato bastante apurado do que se vive atualmente. Uma sessão dupla válida, onde os filmes do diretor se complementam e enriquecem a experiência. Uma conveniência extremamente bem-vinda e relevante.
Algo que, por si só, “Nóis por Nóis” já é. Ainda mais com a crescente denúncia de casos de abuso de autoridade e força por parte, em grande maioria dos casos, da Polícia Militar, em ações de todas as escalas. Um absurdo que se torna recorrente nos noticiários, com o relaxamento de vistoria e medidas veementes, uma vez que governos que flertam com regimes autoritários e totalitários se consolidam e implementam suas ferramentas de injustiça de forma mais abrangente, uma vez que jovens como os protagonistas no filme já sofriam cotidianamente com a sana punitivista de um preconceito descabido.
O filme tem muito mérito por retratar esses personagens, que são mais comuns às nossas vidas, e dramatizar suas histórias de maneira a equilibrar com naturalidade seus elementos, dentro do possível. O mesmo acontece com os atores, não profissionais, e que entregam trabalhos sinceros, que em conjunto dos realizadores, conseguem gerar algo envolvente e causar uma empatia com o espectador. Neste caso específico, esse detalhe é o mais importante. Mais do que a técnica, o que está em jogo aqui é o envolvimento com a narrativa a ser desenvolvida e o ponto no qual ela culminará, mesmo que sendo uma escolha questionável.
Muritiba e Santin, inclusive, enfrentam diversas limitações. É um filme completamente aquém, em questões técnicas, a carreira do primeiro. E parecem existir dois filmes aqui, conflitantes porque são mal explorados. A visão nunca parece estar no nível desse olhar periférico, e há uma tentativa muito grande de estilizar a coisa de uma maneira que destoa dessa realidade, com momentos que soam demasiadamente mecânicos por escolhas técnicas. Por mais que o debate seja válido, e é importante, há aqui uma visão muito simplista. As reviravoltas são uma correção de curso feita às pressas no meio do caminho. Por isso mesmo a resolução soa tão corrida, e até caricata.
O que mais fica da reflexão ao final de “Nóis por Nóis” é o lugar onde o filme precisa ir para buscar forças para sua catarse emocional. Vale o impulso, uma luz em meio a tempos sombrios, mas também vale o questionamento: um aprofundamento e um desenvolvimento mais cadenciado não potencializaram o filme elevando as histórias de seus protagonistas? Não seriam eles, então, os verdadeiramente responsáveis pela comoção da qual hoje tanto necessitamos? Assim, vale a intenção, que pode até fazer nos sentirmos abraçados, o pouco que seja. Mas falta ao filme a vitalidade e o vigor para ser aquilo que desejava desde o princípio.