“Furiosa: Uma Saga Mad Max” (“Furiosa: A Mad Max Saga”, 2024); Direção: George Miller; Roteiro: George Miller, Nico Lathouris; Elenco: Anya Taylor-Joy, Chris Hemsworth, Tom Burke, Alyla Browne, Charlee Fraser; Duração: 148 minutos; Gênero: Ação, Ficção Científica; Produção: Doug Mitchell, George Miller; País: Austrália, Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 23 de Maio de 2024;
George Miller criou seu universo cinematográfico particular entre o fim da década de 70 e meados da década de 80, com uma trilogia de filmes de ação que não só marcaram época, mas influenciaram uma legião de cineastas e produções nos anos que se seguiram e, se não inteiramente, têm seus grandes momentos que sobrevivem na memória com um frescor contemporâneo. Sentimento que foi reforçado quando décadas depois Miller retornou à franquia com “Mad Max: Estrada da Fúria” e, com muito mais recursos e possibilidades em mãos, entregou um épico que era diferente de praticamente tudo que o cinema de ação engessado e enlatado dos grandes estúdios oferecia naquele momento. Um blockbuster que não só reviveu nas grandes telas uma franquia que perdurava na memória, mas que revitalizou um escopo de filmes através de imagens que eram mais que esteticamente bem construídas, mas significativas, e com uma história que transcendia a necessidade de verborragias para estabelecer personagens interessantes e cativantes. O principal destes, possivelmente, a Furiosa de Charlize Theron (“Velozes e Furiosos 10”), que quase uma década depois do quarto filme finalmente ganha agora sua própria história de origem com “Furiosa: Uma Saga Mad Max”, e mostrando que George Miller ainda tem muito a nos contar sobre esse Universo.
Nessa quase uma década entre o quarto e o quinto filme da franquia, no entanto, Miller realizou um outro projeto, tão visualmente poderoso quanto qualquer “Mad Max”, mas com uma proposta diferente. Também mesmo estreando no Festival de Cannes, “Era Uma Vez um Gênio” passou bem desapercebido pelo público no geral em todo seu percurso nos cinemas, e até o momento segue assim. Uma pena, pois a forma como as fábulas são contadas ali é, talvez, ao que mais remeta o estilo de “Furiosa: Uma Saga Mad Max”, porque a abordagem do cineasta aqui é diferente de seu predecessor, ainda que se complete perfeitamente com ele. A questão é que George Miller está interessado numa forma muito específica de construir o estabelecimento deste mito que é Furiosa, então há toda uma estrutura narrativa que é simultaneamente mais complexa, ainda que se faça simples. Isso porque há uma maneira muito direta como Miller trabalha ações e reações, seus atos e consequências, numa narrativa circular que dá conta de explorar ainda mais a fundo a mitologia desse cenário desértico e distópico imaginado pelo cineasta. Com Furiosa como peça central, acompanhamos a história se desenrolar ao longo dos anos até o momento que conhecemos e tanto esperávamos.
Divido em capítulos, mas contando basicamente dois atos da vida de Furiosa, o filme introduz outro vilão através de Chris Hemsworth (“Thor: Amor e Trovão”), mais um para a galeria marcante da saga de Miller, mas cuja maneirismo caricato ressoa efetivamente mais durante seu clímax. Sem duvidas por conta da odisseia da protagonista, vivida inicialmente por Alyla Browne e, posteriormente, Anya Taylor-Joy (“O Homem do Norte”), com ambas as atrizes dominando suas cenas às maneiras com as quais suas personagens pedem. Enquanto a primeira se vê quase impotente numa batalha pela sobrevivência em meio a homens que desejam a devorar, a segunda usa todas suas artimanhas para lutar de volta, e se vingar. Com poucas palavras, essa heroína crava seu nome numa história dominada por homens e faz uso deles para seu benefício, numa narrativa que questiona a inerência do que é ser humano, com o lúdico da louca mente de George Miller ganhando contornos dramáticos de uma sensibilidade que somente um realizador de tal calibre seria capaz, culminando num embate derradeiro onde tudo isso, inclusive o caricato, fazem sentido. Encontra-se uma ordem em meio ao caos através do ato de se contar histórias, de fazer essa transição entre as gerações e relembrarmos, ou ressignificarmos, seu sentido.