Ford vs Ferrari (Ford v Ferrari, 2019); Direção: James Mangold; Roteiro: Jez Butterworth & John-Henry Butterworth e Jason Keller; Elenco: Matt Damon, Christian Bale, Caitriona Balfe, Noah Jupe, Jon Bernthal, Tracy Letts, Josh Lucas, Remo Girone, Ray McKinnon; Duração: 153 minutos; Gênero: Biografia, Drama, Esporte; Produção: Peter Chernin, Jenno Topping, James Mangold; País: Estados Unidos; Distribuição: Fox Film do Brasil; Estreia no Brasil: 14 de Novembro de 2019;
Cinebiografias esportivas, geralmente, tem como foco muito forte e ponto principal a emoção, gerando para si, portanto, uma linguagem praticamente universal, independentemente de sua relação com o esporte em questão. Por isso mesmo é tão fácil, por exemplo, superar todas as burocracias empresariais e qualquer falta de conhecimento sobre os nomes protagonistas em questão em “Ford vs Ferrari”, e se envolver numa narrativa que têm ideias centrais muito fortes e consegue universalizar os confrontos de seus personagens dentro de suas individualidades. Afinal, é possível se relacionar com todo o mote do filme de James Mangold (“Logan“), para além de gostos pessoais.
É um grande triunfo, a bem da verdade, porque é uma história com algumas características de complexidade, na qual Mangold faz questão de não abrir mão de muitos pontos e, surpreendentemente, consegue ser didático sem ser condescendente, inclusive com um roteiro em que não se recorre a verborrágicas exposições de roteiro, como é tão costumeiro em Hollywood e nos filmes lançados pelos estúdios semana após semana. Há algo bastante singular aqui, ainda que no todo, no fim das contas, se sobressaía uma sensação de que faltou um quê a mais para, de fato, comover por completamente a todo e qualquer espectador.
Em momento algum “Ford vs Ferrari” se dispõe ou se imagina capaz de reinventar a roda, sua narrativa é para de lá de genérica, como outras histórias que já vimos contadas algumas boas vezes. A aposta, no entanto, está toda na competência dos nomes aqui e, aos poucos, vai se mostrando acertada, pelo menos em boa parte. E é assim que conquista, fazendo o convencional com extrema competência nos elementos que importam, contudo, deixando a oportunidade de discutir algumas das escolhas de Mangold na direção, pois há a impressão de que um ou outro detalhe podia ser potencializado com determinadas decisões.
Ainda assim, é notável como um filme de duas horas e meia de duração se faz tão agradável de acompanhar, méritos tanto do tom que delineia o filme como da execução, principalmente da edição, que fazem com que a experiência seja uma jornada muito mais aprazível. Entretanto, por vezes o ritmo carece de uma certa urgência, porque tudo é tão calculadamente vedado que os riscos se fazem sentir cada vez menos, se é que o fazem. Aqui também a culpa resvala um tanto sobre o roteiro, pois há uma certa dificuldade em criar um antagonismo decente e a altura dos protagonistas.
Não é por ser convencional que não precisava arriscar e isso fica evidente nos personagens que se desenham antagonistas em “Ford vs Ferrari”. É um lugar comum onde estes acabam sendo apenas estereótipos vazios, que não oferecem um embate a altura do que a narrativa clama. Até mesmo a figura do lado da Ford que dá o pontapé no desafio que move a trama é bastante apagado, sendo que Jon Bernthal pouco tem para apresentar durante o filme, assim como os superiores de seu personagem, ainda que Tracy Letts pareça estar se divertindo com os poucos momentos de autenticidade que recebe como herdeiro e dono da Ford.
A dupla de protagonistas, portanto, brilha à vontade, ou ao menos tenta. Matt Damon é esforçado, não há como negar, mas seu grande momento no filme tarda a vir, e comove, de verdade, menos pelo ator em si e mais por todas as circunstâncias que culminam ali. Christian Bale (“Vice“), assim, voa praticamente solo e outra vez em sua carreira entrega uma atuação complexa e cheia de nuances. Ainda que o filme tenha dificuldade de se alinhar exatamente ao tom do personagem, Bale faz do seu underdog teimoso algo extremamente cativante e carismático, se tornando, de fato, o coração do filme.
Por mais que não exatamente seja essa a intenção da narrativa, Bale faz com o que o filme gire em torno de si, o que é ainda mais fácil quando todo o núcleo mais relacionável, com sua família uma constante presença, é parte integral de seu personagem. Faz sentido. Porém, também denota como o personagem de Matt Damon carecia de mais dessa nuance emocional, para além de algo meramente superficial, que é o que acaba nos sendo entregue e, infelizmente, não só neste quesito, porque a sensação é a de que falta um gancho certeiro, um golpe final, uma carta na manga.
A maneira como “Ford vs Ferrari” intercala o drama de bastidores com as corridas é crescente conforme pede a narrativa, e nas sequências de “ação” em si a competência segue firme, com momentos extasiantes envolvendo montagem, edição e mixagem de som, assim como em algumas sequências melodramáticas as sutilezas se sobressem. Contudo, James Mangold falha em conectar ambas as facetas de seu filme, quando mais precisa, pesam suas decisões. De maneira alguma é um filme apático, entretém e diverte, com certeza emociona quando pode, todavia, quando não consegue elevar seus personagens a altura do discurso que o encabeça, talvez o piloto que nos conduz não conheça os limites de sua “máquina” ou até mesmo de como aproveitar toda a liberdade que tem para atingi-los sem ficar no meio do caminho.
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