Filhas do Sol (Les Filles du Soleil, 2018); Direção: Eva Husson; Roteiro: Eva Husson, Jacques Akchoti; Elenco: Golshifteh Farahani, Emmanuelle Bercot, Zübeyde Bulut, Evin Ahmad, Ahmet Zirek, Behi Djanati Atai; Duração: 111 minutos; Gênero: Drama, Guerra; Produção: Didar Domehri, Isabella Orsini; País: França; Distribuição: California Filmes; Estreia no Brasil: 26 de Setembro de 2019;
Como seguir em frente quando nada mais está a seu favor? Este pode muito bem ser o mantra de “Filhas do Sol”, filme da cineasta francesa Eva Husson e que aborda a luta de um grupo de mulheres das forças curdas na retomada de um ponto estratégico que foi tomado por extremistas. Nos momentos que antecedem ao dia do bombardeio que será realizado pelos norte-americanos, as forças curdas planejam uma retirada de inocentes que ainda possam estar no local. Uma experiente jornalista francesa acompanha a campanha até seus momentos derradeiros, e tem a função de relatar tudo que vê ali.
Os pedidos das guerreiras são que para que ela retrate a realidade do que vê, a realidade que vivem. Com seu olhar de meia-vista, afinal, um dos olhos é coberto por um tapa-olho, fruto de uma antiga empreitada em outro cenário de guerra, a repórter começa a se aproximar da verdade dessas mulheres, se aproximando especialmente da comandante da unidade, seu contato designado no local, e pelas semelhanças que encontram entre si nesse mundo de diferenças que as separa. A repórter vê algo que somente ela é capaz ali, e apenas porque a comandante a permita que o faça, se abrindo aos poucos.
O trabalho de Emmanuelle Bercot como a jornalista é mais sutil, até porque Husson a coloca aqui como a porta que nos introduz a essa realidade da comandante. Assim, a história da personagem é mais contida, seu protagonismo, se é que assim podemos chama-lo, ocorre de uma maneira diferente, afinal ela é nosso ponto de vista na história, está ali nos representando. Contudo, quando chegamos ao clímax emocional da personagem, a atriz consegue transmitir com perfeição a dor da personagem, e se expressa perfeitamente bem para que nós possamos apenas deixarmo-nos tocar pela história que vemos se desenrolar.
Todavia, a protagonista da história que nos é contada é a comandante Bahar, interpretada por Golshifteh Farahani (“Paterson”). Aqui Husson não mede esforços para retratar exatamente o que as mulheres reais que sua personagem representa vivem, e não é fácil encarar tudo pelo que a personagem passa. Por mais que muito seja suprimido, se deixa subentendido para não explorar essa dor gratuitamente, nem por isso deixa de ser impactante, e muito do que vemos nos flashbacks da personagem pode ser considerado gatilho para algumas pessoas. Farahani, apesar de muito bem no papel, enfrenta, porém, tramas muito melodramáticas, o que acaba a prejudicando um pouco.
Por mais efetivos que alguns dos flashbacks sejam, em parte eles tornam a história mais melodramática mesmo, e até sua reviravolta, apesar do mote principal, decaí para isso. O que faz “Filhas do Sol” se sobressair a isso e funcionar num nível acima e, em parte, se fazer sentir intocado por essa característica é a sensibilidade de Eva Husson, que demonstra possuir um olhar singular para captar sua história, numa atenção a construção de detalhes que geram uma intimidade e uma força catártica arrebatadora no filme. É assim que ela constrói algo belo e delicado, que olha para além das feridas.
Não que as esqueça, muito pelo contrário, apenas potencializa o sentimento que cada uma delas gera. Enquanto embalados pela instigante trilha de Morgan Kirby, acompanhamos uma guerreira, uma mãe, uma mulher, lutar por liberdade, se mantendo firme frente a qualquer obstáculo que se coloque a sua frente. Husson filma tudo de maneira espetacular, não só com belíssimos planos, mas com uma proximidade de suas personagens que torna a ficção numa realidade visceral. Encanta, comove, mas não ilude. “Filhas do Sol” é completamente ciente de que tudo aquilo que representa, tudo aquilo que vê de belo na luta dessas mulheres, não pode, de forma alguma, apagar os horrores que estas não só viram, mas também viveram.