A guerra Síria se faz comum em nossos noticiários, ainda assim não é segredo algum que a mídia ocidental prefere dar interesse e atenção aos países europeus mais privilegiados, onde se fazem sustentar discursos como o do atual presidente dos Estados Unidos da América e da candidata francesa derrotada nas últimas eleições no país. O medo dá lugar a uma xenofobia insensata que ignora o que vemos em 300 Milhas.
Situado em três frentes diferentes da Síria, o documentário de Orwa Al Mokdad observa o estado entre as milhas que separam uma família. A linha de frente comandada por um coronel rebelde, contrário ao regime de Bashar Al Assad; A vida de um calouro de Filosofia que teve seus estudos interrompidos pela guerra, e tornou-se um ativista a favor da paz; a sobrinha do cineasta, pela qual vemos a inocência dar lugar a assimilação do estado de terror ali vivenciado.
Inquietante, 300 Milhas mostra um lado da história que é o que mais importa. Um cotidiano de terror e um constante estado de alerta se fazem o novo normal na vida dessas figuras que buscam nada mais que a liberdade. O diretor ainda se sobressai como documentarista ao demonstrar imparcialidade para questionar pontos cruciais nas estratégias e vivências de cada um daqueles que acompanha.
Cria-se aqui um retrato natural e que mostra com crueza e claridade o contemporâneo da Síria. Presa em meio a uma cisão de ideais, um e outro se fazem vítima quando para lá se viram os holofotes ocidentais. O que se está por fazer em prol dessas vidas, porém, é gerar um conflito ao qual não temos direito. É duro ouvir a realidade de um jovem pensador, mas enquanto houver vida, haverá conflito. A resolução até então empreendida pouco favorece a alguém, e somente faz alimentar essas casualidades reféns de um novo estado de aprisionamento.
Prisão que se faz um objeto subjetivo em Grande Grande Mundo (Koca Dünya), enquanto os personagens fogem temerosos ao encarceramento real. Abordando a história de dois jovens turcos apaixonados que fogem de um crime terrível, o longa de Reha Erdem mescla o idílico ao real numa visceral trama onde o refúgio em meio a uma floresta reserva paranoias intermináveis.
Colocando seus personagens em opostos e em meio a metáforas, o diretor constrói uma alusão daquele universo real do qual os retira. Os estritos costumes turcos que afugentam a Zuhal (Ecem Uzun) e Ali (Berke Karaer) são dissecados em meio aos devaneios dos adolescentes, enquanto a lucidez dos mesmos se definha. Encontramos até semelhanças com Cinco Graças (Mustang), outro ótimo retrato de uma situação similar, mas ainda assim, filmes essencialmente diferentes.
Muito do que se faz gratuito, como um suspense sobre algo que parece jamais acontecer, acaba sendo revelado como uma metáfora, depois sendo assim assimilado pelo próprio filme. Grande Grande Mundo que rende em seu terço final sequências visuais deslumbrantes, onde do ápice das alucinações (ou não) pelos quais os dois passam.
A abruta atitude inicial no filme, porém, se faz carente posteriormente, quando os adolescentes não escondem o que são, com os personagens providenciando ao espectador uma sucessão de decisões irritantes e por vezes até insensatas. Tudo porque é algo do qual se espera mais consistência, dada toda a situação que coloca a trama em andamento.
Algo que, inclusive, daria a Grande Grande Mundo a vasão poética que tanto almeja, ao contrário da licença poética da qual por vezes faz uso. A construção de uma bela imagética, potencializada pela trilha sonora do sempre ótimo Nils Frahm, geram um envolvimento que vai do intrigante ao inquietante, se não incômodo, quando nos vemos cada vez mais tensos com o crescente pânico que inevitavelmente sentimos pelas vidas dos ingênuos protagonistas.