Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Darren Aronofsky e Ari Handel
Elenco: Russell Crowe, Jennifer Connelly, Anthony Hopkins, Emma Watson, Logan Lerman
Produção: Darren Aronofsky, Scott Franklin, Arnon Milchan, Mary Parent
Estreia Mundial: 28 de Março de 2014
Estreia no Brasil: 03 de Abril de 2014
Gênero: Ação/Aventura/Drama
Duração: 138 minutos
Antes de mais nada, é impossível querer uma adaptação fiel de um livro como a bíblia, a qual mal aprofunda os personagens, citando basicamente apenas seus nomes e ocupações. Por mais que eu já esperasse algumas alterações, fui surpreendido pela forma como Aronofsky levou a sério o que está escrito no livro, levando para tela quase fielmente todos os elementos ali descritos. Noé acerta, não só por tentar se manter condizente com seu texto de origem, mas também por não transformar a obra em catecismo ou lavagem cerebral, abrindo espaço, também, em vários momentos, para nos questionamos até que ponto realmente vale o sacrifício proposto por Ele (no filme não há um nome específico para o que hoje chamamos de Deus), tornando quase impossível não fazer algumas relações com vários acontecimentos da nossa história defendidos pelo “bem maior da religião”.
Assim como está descrito no Gênesis, o filme inicia de modo bem conciso e original ao fazer uma pequena introdução narrando os acontecimentos prévios a Noé, sem lançar mão de narrações em off, utilizando-se apenas de imagens já bastante famosas como a da serpente, o fruto proibído do paraíso e a cena de Caim e Abel. Avançando um pouco na linha do tempo, a despeito do início ser um pouco truncado, já vemos Noé adulto (Russell Crowe de Os Miseráveis e Gladiador) receber através de um sonho a notícia de que o mundo como todos conhecem será destruído por um grande dilúvio. Junto com isso, lhe é dada a tarefa de salvar os inocentes (os animais) para deixá-los habitar o novo mundo que surgirá depois desse “apocalipse”. Para isso, ele, com ajuda dos Guardiões (personagens sobre os quais falarei mais adiante), constrói uma imensa arca na qual levará dois animais (um macho e uma fêmea) de cada espécie, para que possam se reproduzir.
O roteiro de Darren Aronofsky (Pi e Fonte da Vida) e Ari Hendel (Fonte da Vida) segue quase que fielmente a história contada na Bíblia, fazendo algumas alterações e adicionando alguns personagens. O diferencial e talvez o que mais surpreendeu foi a inclusão de elementos da evolução de Darwin e do Criacionismo, basicamente juntando as duas teorias. No filme, os animais são, sim, criados por um ente transcendental, mas também passam por uma evolução começando nas águas, passando pelas terras e chegando aos céus (vemos isso na excelente cena na qual Noé conta a sua família toda a origem do universo, mais uma vez de forma extremamente concisa e ágil). Com certeza, isso não será muito bem aceito pelos mais conservadores, mas no âmbito do filme e da narrativa a qual se propõe, funciona muito bem, isto é, em nenhum momento soa forçado – diferentemente do que acontece em Prometheus que tenta dar uma origem Criacionista para a vida humana e acaba por não conseguir convencer.
Um dos grandes acertos do filme está no fato de não tratar seu personagem principal como um deus. Mesmo escolhido pela divindade, ele continua sendo humano em todos os aspectos: comete erros, tem dúvidas, deixa-se influenciar, enfim ele sofre como nós em situações que exigem muita responsabilidade e a forma que Aronofsky deixa bem claro essa comparação está no uso de câmeras subjetivas em alguns momentos que nos colocam “na pele” de Noé, além do uso de alguns primeiríssimos planos que remetem ao quanto ele se sente pressionado pelo fardo que está carregando. Russel Crowe consegue, através da sua excelente performance, nos trazer todas essas fraquezas, principalmente ao retratar da linha tênue entre o bem e o mal pela qual o personagem passa. Outro destaque fica com Emma Watson (da saga Harry Potter) no papel de Ila, que foi adotada pela família do profeta e criada como da família e que se prova um dos personagens mais fortes da película, grande parte pela sua excelente atuação.
Um dos personagens mais interessantes do filme são os Guardiões que são espíritos que foram aprisionados em forma de gigantes de pedra, por quererem ajudar os humanos, enquanto a divindade queria extingui-los. Além de serem as figuras mais carismáticas do filme, são uma excelente representação da queda que o mundo sofreu e vem sofrendo. Eles foram da luz para as pedras, foram esquecidos por Deus, ou seja, tinham todos os motivos para não dar ouvidos a Noé, mas preferiram ajudar na construção da Arca, provando não só que é possível perdoar, mas também ser perdoado. No contexto do filme, isso é bem forte, principalmente no que se refere a punições. É justo punir o ser humano por ser ele mesmo? Uma das respostas de Noé para tal julgamento vem do fato de o ser humano ser mau. O que vemos durante toda a projeção, no entanto, é a dubiedade do homem e Aronofsky, em uma das cenas finais, nos prova que, sim, temos bondade, temos amor, mesmo quando, aparentemente, a vontade de Deus for outra.
Em termos de produção, o filme está excelente: toda a reconstituição do mundo antigo está muito crível, gerando um misto de estranhamento e reconhecimento. A direção de arte, principalmente no desenho dos animais e dos guardiões é um espetáculo à parte. Esse últimos têm em seu rosto um formato de cruz que de maneira muito sutil lembra-nos boa parte da projeção de sua origem divina. Infelizmente, senti a falta de Matthew Libatique, que assume a fotografia da fita, diferentemente de seus trabalhos anteriores (principalmente Cisne Negro e Fonte da Vida) não houve nada muito ousado em suas escolhas, mas nada que tire a grandiosidade do filme que é auxiliada, também, pela excelente e presente trilha sonora de Clint Mansell (também parceiro de Aronofsky na maioria de seus filmes).
Noé, apesar de ser inspirado na Bíblia, pode ser apreciado por todos os públicos. Por não ser catequizante e dogmático, vai agradar aos ateus e aos não seguidores do antigo testamento e, por tratar com respeito ao material do Gênesis, também irá agradar aos religiosos. Além disso, o filme, a despeito de ser um Blockbuster, consegue ser profundo e causar questionamentos e reflexões não só pelas atitudes de Noé, mas, também, pelo fato de, teoricamente, estarmos vivendo no “Novo Mundo” por ele defendido. A partir desse momento fica a cargo de cada um (e nas suas crenças) decidir se realmente tudo pelo que ele lutou contra desapareceu ou se continuamos as mesmas pessoas que “Deus” queria eliminar.
5 Comments
thiago
PODIA ser menor, que texto enorme
Gedalias
Você leu e, entendeu a história de Noé descrita na Bíblia? Pois falar que Aronofsky leva a sério o que está no livro, que tratou com respeito o material do livro de Gênesis? Como assim, distorcendo não só a história de Noé mas também outras questões bíblicas além de inventar coisas que, nem de perto, tem ligação com a história original? É lastimável!
Fugiu da adaptação, virou quase nova história. Ah se fizessem algo parecido com o Senhor dos Anéis, os fãs de Tolkien ficariam loucos em ver a história original tão descaradamente distorcida, mas já como “fantasioso” livro bíblicos, que se dane…
Fica minha opinião, Aronofsky viajou na maré do dilúvio…
Ricardo
Gostei da sua crítica! Também acho que como produção o filme é ótimo… Porém, com relação à fidelidade à Bíblia, deixa a desejar… os Guardiões, espíritos de Luz lançados à terra e aprisionados em forma de pedra não são de origem bíblica como vc menciona, isso foi criação de Aronofsky… e apesar da pressão causada pela responsabilidade, que cai sobre Noé, a ideia de ele interpretar erroneamente o chamado de Deus e querer matar seus netos, foi um pouco exagerada, acredito que Aronofsky poderia achar um motivo de suspense a mais para o filme de outra maneira…Valeu, abraço!
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