Como parece ser de praxe em cada edição do Olhar de Cinema, a Mostra Competitiva reserva sempre algum filme relacionado a história de Cristo. No caso de Vangelo o diretor italiano Pippo Delbono vai a fundo, tratando de uma encenação do Evangelho, em homenagem à sua mãe e em meio às adversidades que sua própria saúde o coloca como uma provação.
A princípio parecemos estar diante de uma história de autodescobrimento, e enquanto parcialmente é, o documentário acaba soando mais equivocado do que qualquer outra possibilidade. Pode-se acreditar que o híbrido é uma investigação da cultura de seus sujeitos, contudo seu foco principal, e como diz a própria sinopse da produção, é o diretor e seu registro “hiperpessoal”.
Esse estado de observação dos refugiados, um elemento cada vez mais comum em produções, por si só se faz uma incógnita. Até que ponto é possível chegar sem que se torne uma exploração gratuita da imagem alheia destes, e sem fazer em benefício próprio e de sua carreira? Até onde ir sem deixar de ser um registro da situação miserável em que se encontram?
Fogo no Mar (Fuocoammare), documentário de Gianfranco Rosi indicado ao Oscar este ano e filme de abertura do FICBIC nesta mesma Curitiba no ano passado, parece um paralelo vigente com o filme de Pippo Delbono. Enquanto o consagrado filme de Rosi exibia uma frieza para explorar os próprios paralelos nas ilhas que recebiam refugiados, Delbono parece incapaz de lançar um olhar tão atento ou pertinente.
Trocadilhos à parte, afinal o diretor relata enfrentar problemas de visão, a sua figurativa também encontra problemas. Há outro paralelo que o próprio diretor ressalta em Vangelo, das duas vertentes diferentes que acompanhamos. A dos refugiados renegados pela sociedade e a dos burgueses, encenada em uma peça para a alta classe com direção do próprio Pippo Delbono.
Pouco há de justaposição nas duas coisas, até porque o diretor se perde nos meandros de sua ambição, tanto de seu documentário como de sua vida, onde parece almejar até mesmo a cultura daqueles que já deixaram tanto para trás. Num misto de amadorismo com uma narração que não esconde o anseio pelo consumo desses indivíduos. Da música de terceiros, não presentes no filme, aos imigrantes, uma apropriação cultural que rende momentos até semelhantes com, coincidentemente, a recente polêmica com o clipe da brasileira Mallu Magalhães. Aqui, entretanto, Pippo Delbono faz questão até de extirpar nomes dos refugiados.
Equivocado parece a palavra certeira para a primeira noite de Mostra Competitiva, ainda que Newton não seja de todo um filme errado. Longe disso, e do que ocorre em Vangelo.
A produção escrita e dirigida pelo indiano Amit V Masurkar já traz em seu título, quando explicado nos minutos iniciais do filme pelo protagonista, o tom que encontramos em Newton. Ainda que haja momentos de tensão, o que predomina no filme é o humor.
Quase que por completo uma comédia feel good, é essa mesma toada que se faz um problema frente a temática que Newton retrata. É óbvia a busca de uma canonização do herói título, que em meio a sua ingênua honestidade salvará o dia. Contudo, estamos falando de política, e num momento no qual o mirabolante se faz tão cotidiano, o filme soa tão ingênuo quanto seu protagonista.
É um primeiro passo de uma democracia, que vê os problemas reais dissolvidos em meio a piadas e romances, num tom leviano que pouco favor faz ao filme. Belas e inusitadas imagens, e uma trilha sonora animada, injetam um pouco de ironia à trama, porém, não é suficiente frente à falta de seriedade que merece o assunto.
Reside aí, portanto, outro adendo: Newton parece filme para ocidentais verem. Quando o próprio Amit V Masurkar faz chacota dos filmes de Bollywood, percebemos algo diferente. É como se houvesse um quê de vergonha de seu cinema de origem. O que vemos em Newton, então, cai perfeitamente para os moldes padrões da fórmula norte-americana. É apenas um primeiro passo da democracia, quem sabe no próximo o diretor olhe para si próprio.
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