O quinto Olhar de Cinema, festival de Curitiba, se aproxima ao fim, com sua premiação marcada para hoje (16), logo mais. Foi com muita honra que tive a oportunidade de conferir longas e curtas nacionais e internacionais, conhecer grandes pessoas e perceber o quão transportar e agradador é a arte. Segue aqui mais algumas impressões do que vi de melhor até agora, logo mais teremos o post de considerações finais, exaltando pontos positivos e evidenciando os negativos, além de um comentário geral sobre os vencedores.
Talvez Deserto, Talvez Universo, Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes, 2016:
O longa documental começa num ritmo lento, quase parando, num tom pacato que induz intimidação. Nos deparamos com o cotidiano de um centro psiquiátrico onde hospeda vários homens isentos de culpa por seus crimes cometidos decorrente de inimputabilidade. O filme é bastante difícil de se entrar, pois é necessário paciência e boa vontade frente aquela realidade.
Contudo, aos que forem com sede de um filme realmente necessário, vai se deparar com uma parábola incrivelmente lírica, dura e poética. Aquele ambiente aparentemente aprisionador consegue ser mais libertador que viver em nossa sociedade “livremente”. O longa aproveita muito a obra platônica, “O Mito da Caverna”, para construir sua narrativa e expôr nossas fragilidades sociais.
Não é uma experiência fácil, reitero, mas aos que forem de mente aberta se deparam com uma bem engrandecedora e contundente, aquele tipo de filme que vai crescendo aos poucos na medida que o digerimos. O que eu pensei ao término e cresce dentro de mim é como nós, ditos normais e seres livres, estamos cada vez mais prisioneiros, enquanto aqueles “anormais” mais livres, sobretudo por aceitarem serem quem são.
É lírico e duro. único.
Nota: 4/5
Eles Vieram e Levaram sua Alma, Daniel de Bem, 2016:
Achei um longa bastante inventivo e ousado narrativamente, contudo o seu maior problema decaí em seu roteiro engessado em estabelecer personalidade ao seu protagonista. Ele é incrivelmente estéril na sua concepção e visão de mundo, acredito que havia uma intensão clara de mostrar o esvaziamento de alguém pós uma relação frustrada, além da fuga que é fazer cinema, tentando achar uma resposta para si. Particularmente, conheço pessoas do próprio meio cinematográfico assim, o que me leva a pensar que talvez seja predominante no meio as pessoas se sentirem impotentes e procurarem sua potência na arte, seja lá onde ela for levar -ou não.
Sinceramente, eu não consegui comprar, compreender e nem simpatizar com seu protagonista, acho que ficou bastante previsível a argumentação do esvaziamento, da perda de personalidade e da depressão decorrente de término traumático. Contudo, faltou algo, não se pode se sustentar um personagem assim. Ainda assim, eu gostei da proposta e do filme do geral, achei inclusive que o diretor parece ser muito a oferecer do que aqui. Nos Resta aguardar. É divertido, de todo modo e bastante contundente.
Nota: 3/5
O Estranho Caso de Ezequiel, Guto Parente, 2016:
Chegou a hora de falar sobre uma bomba do festival, provavelmente foi uma das grandes bobagens que tive a desonra de ver durante a cobertura. O filme se vende meio que ficção científica ao mesmo tempo que tenta ser experimental barra viajadão. Não dá ao certo pra resumir o que se é projetado, basicamente o Ezequiel encontra-se em luto decorrente da perda da esposa que simplesmente retorna dos mortos como noiva cadáver. Ah! E tem um E.T verde no meio que resolve adentrar no poliamor pra tornar tudo ainda mais banal.
Eu acredito que o cinema experimental é vasto e proporciona momentos singulares ao espectador, ainda que o mais leigo. Contudo, passo a acreditar que os diretores simplesmente filmam o que vier na cabeça e chamam aquilo de cinema. Não é! É mínimo que se haja um roteiro com proposta, ainda que abstrata. Não dá pra fazer cinema de forma tão tresloucada e sem senso argumentativo ou narrativo. Eu sinto muito que o ator que interpreta o protagonista tenha morrido três dias antes da primeira exibição oficial do longa. Contudo, não sou hipócrita e devo ressaltar que ele, como artista, merecia um legado melhor que um filme tão boçal e vazio.
Nota: 1/5 ou 0.5/5
O Caso dos Irmãos Naves, Luís Sérgio Person, 1967:
Um filme de 67 se mostra atualíssimo. Em tempos de juízes autoritários que forçam presos a fazerem delação premiada visando redução de pena, é impossível não comparar com a brutalidade do tenente de polícia no interior de uma cidade mineira que torturou dois irmãos até eles confessarem um suposto crime no qual não há dúvidas que não cometeram.
O longa se passa em plena ditadura do Estado Novo e foi feito em plena ditadura militar, é lamentável constatar como enraizou em nosso sistema o cunho autoritário e intimidador das instituições e seus agentes, lesando muitas vezes –ou simplesmente sempre – os direitos humanos e, sobretudo, a presunção básica de inocência e o direito universal à defesa.
Person nos brinda como uma obra-prima social e cinematográfica, nos deixando de queixo caído se levarmos em conta que em pleno ano de 2016 ainda sofremos os mesmos problemas da década de 30, não tendo evoluído muito socialmente, até ao contrário, regredimos em alguns aspectos. Excelentes atuações, memorável e necessário nos dia de hoje.
Nota: 4/5
A Cor da Romã, Sergei Parajanov, 1968:
O filme aborda a trajetória do poeta e trovador do século XVIII, Sayat Nova, descrevendo sua vida em oito episódios usando sua própria obra poética para contar sua trajetória de vida. O surrealismo contido na obra é bastante encantador e lírico. Contudo, devo salientar minha dificuldade pessoal em compreender e aplicar a narrativa do filme.
Isso significa que o longa é ruim? Absolutamente não. Pelo contrário, é um filme incrivelmente onírico, absurdamente humano e ironicamente cínico. Os dizeres do trovador Sayat Nova, citados ao longo da projeção, são deveras indulgentes e instigantes, exaltando dilemas ou meramente vícios sociais humanos ainda recorrentes no nosso cotidiano. Como por exemplo o temor de amar decorrente do medo em sentir o sofrimento vindouro de uma relação fracassada. Ou a necessidade de em querermos ser aceitos por terceiro não nos aceitando como somos.
Enfim, é uma experiência sensorial marcante e pra lá de bonita ao ponto que você pode sair sem ter entendido absolutamente nada, porém ao menos vai levar consigo um poema visual, o que é raro hoje em dia.
Nota: Alguma coisa entre 3 e 4/5
São Paulo – Sociedade Anônima, Luís Sérgio Person, 1968 (foto):
É inacreditável que seu primeiro longa-metragem seja seu melhor filme, simplesmente uma obra-prima do cinema nacional. A cidade título não é simplesmente personagem, ela é usada como narrativa para refletir os conflitos de seus personagens.
O longa gira entorno de Carlos, um jovem de classe média. O Brasil passa por um boom industrial decorrente da política desenvolvimentista do governo de JK. Juntamente a isso, o “sonho americano” começa a ficar enraizado no cotidiano brasileiro, ou seja, o desejo de prosperidade econômica junto a aceitação social vindoura.
O protagonista adentra em uma fábrica montadora de carros, no qual se torna gerente. À medida que ele ascende profissionalmente, ele decide largar a vida de solteiro e se casa, vira pai de família e tenta aceitar a vida “adulta”. Contudo, é notória a sua frustação com aquele estilo de vida no qual sempre repudiou, Carlos enfrenta uma grande depressão, apatia ao amor e ao convívio social, o que lhe resta afinal, levando uma vida tão infeliz? Só lhe resta portanto fugir.
Person aborda com soberba a opressão do cenário urbano, uma metrópole como São Paulo em pleno desenvolvimento, que parece forçar seus indivíduos a buscarem aceitação social decorrente de sua profissão – algo ainda comum, diga-se. Podemos dizer que Carlos sintetiza a alma dessa cidade egoísta, desmanteladora de sonhos e mesquinha, contudo ao mesmo tempo ele é resultado daquela Cidade. É um paradoxo que mostra o quão reféns nós somos de nós mesmo. E o contrário ainda é real.
É um filme totalmente humano, existencialmente vasto e maduro em não julgar ou estipular um caminho para seus personagens, todos são caminhos válidos. A única coisa que precisamos pensar é o que de fato nos faz felizes, independente de terceiros.
É um filme que resume basicamente o que é viver em sociedade e como ela estipula a construção de nosso cenário urbano –ou não – É tudo simplesmente caótico e vazio. Literalmente uma sociedade anônima, de ninguéns. Sem expressão. Só ilusão.
Nota: 5/5