Sidney Lumet se imortalizou como diretor versátil e talentoso, executando obras potentes, na maioria, com teor político ou social. Facilmente podemos dizer que Rede de Intrigas (Network, no original) é um dos seus filmes mais políticos e denunciadores, mirando em diferentes alvos, mas tendo como temática principal os bastidores da televisão e seu parasitismo social.
No longa-metragem, uma emissória beira a decadência com seus índices de audiência, porém Diana (Faye Dunaway), recém assumida vice-presidenta, tem como meta virar este jogo independente dos limites que irá ultrapassar. Para isso, ela coloca no ar Howard Beale (Peter Finch) intitulado “profeta louco”, inflando a massa com seus discursos paranoicos além de seu mantra “Estou ficando louco e não irei mais aguentar mais isso”. O sucesso inebriante da atração acaba fazendo os altos executivos Arthur (Ned Beatty) e Frank (Robert Duvall) não perceberem o quão perigoso o programa poderia ser, apenas o idealista Max Schumacher (William Holden) percebe os rumos que seu ofício está indo, entrando em plenos conflitos com os interesses de sua corporação.
Há 38 anos que o filme chegou aos cinemas pela primeira vez, porém sua temática nunca esteve tão em evidência, podendo até dizer o teor profético que a obra teve, antecipando e alertando para inúmeros problemas em relação aos veículos de comunicação e seu papel perante a sociedade, que vieram a se agravar cada vez mais. Os bastidores da televisão são retratados de forma crua,visceral e cínica, retratando até onde o meio pode ir para satisfazer sua ânsia por influência e lucro, sem ausentar também a culpa dos telespectadores e sua cumplicidade, permitindo a ascensão de show de horrores e aceitando a tudo com passividade e pouca participação.
O roteiro original de Paddy Chayefsky é escrito com precisão e coragem, com diálogos e situações extremamente originais e marcantes, ainda mostrando como a televisão defende seus próprios interesses e, sobretudo, de corporações a fim de benefício próprio, sem deixar a sociedade inerente de culpa, visto a sua propícia alienação. As reflexões geradas ao longo das quase duas horas de filme conseguem ir além de sua duração, servindo como um instigante estudo social em relação as posições em relação da sociedade e mídia, o papel que cada um exerce sobre o outro, quem na verdade é refém de seus próprios interesses e os limites que fazem para defende-los.
A direção do grande Lumet é primorosa, cria uma atmosfera hipnotizante, no qual o espectador consegue participar, sendo alvo constantemente dos paranoicos e inflados dizeres de Howard Bealen. Cada personagem consegue seu momento a fim de defender seu próprio ideário e interesses, é acertado o modo que o diretor propõe o debate de forma satírica e sádica em relação aos rumos que a comunicação está tomando, para não falar o teor profético que a obra apresenta. Não há proselitismo e nem apelativos, mas sim argumentação sólida e potente que vem a desconstruir um universo particular muitas vezes idealizado, porém mostrando-se extremamente repulsivo e destrutivo.
O elenco encontra-se em seu primor em todas as camadas, não há uma performance indigna de elogios. Peter Finch, primeiro ganhador de um Oscar póstumo, dá vida a um personagem que poderia ser caricato e apático, entretanto o caminho que o ator faz é o oposto, construindo um Howard carismático e mesmo com simpatia por parte do público. Faye Dunaway encarna a essência da argumentação, uma mulher frígida e nociva, de forma contida e expressiva, mostrando um trabalho bem maior do que parece. O veterano William Holden é outro que está num ótimo momento, a cena na qual ele briga com a personagem de Dunaway, eu diria, ser uma das mais incisivas do longa. Destaque também para as participações excelentes de Robert Duvall, Ned Beatty e da primorosa Beatrice Straigh, os três apresentam momentos singulares onde o espectador consegue formar uma opinião sobre seus personagens e atitudes.
“Rede de Intrigas”, portanto, é uma experiência bem engrandecedora para aqueles que vão com a mente aberta e propícios a reflexão. É um longa que serve de alerta pela pauta que a sociedade hoje vêm sendo construída, se tornando cada vez mais indiferente ao sofrimento, insensível a alegria. Mostrando, principalmente, o que todos nós somos, meros números em um sádico show semanal, onde audiência e lucro valem mais que a vida humana. Uma triste constatação vinda de uma obra fundamental para tentar muda-la.
~Curiosidades~
- A personagem de Faye Dunaway não fala diretamente em nenhuma cena com o de Peter Finch;
- A única música ouvida ao longo do filme são as dos comerciais;
- Peter Finch foi o primeiro ganhador de um Oscar póstumo, o segundo foi Heath Ledger por Batman- O Cavaleiro das Trevas (2008);
- A cena dos discursos inflados de Howard Beagan demoraram mais de um ano para serem feitas, devido ao problema cardíaco de Peter Finch;
- A performance de Beatrice Straighn é a mais curta a ganhar um Oscar, cerca de cinco minutos;
- Sidney Lumet ficou um tanto que descontente que seu longa perdeu o Oscar para Rocky- Um Lutador;
- É hoje o segundo filme que mais levou Oscar’s de atuação (3, ao todo) , junto com “Uma Rua Chamada Desejo”;
- O Diretor Sidney Lumet disse que ele rodou o filme usando um esquema de iluminação específico . Ele disse em cenas de abertura do filme, ele atirou com o mínimo de luz possível, rodar o filme quase como um documentário. À medida que o filme avançava, ele acrescentou mais leves e mais movimentos de câmera e até o final do filme, que foi tão bem iluminado e “slick”, como ele poderia fazê-lo.