“Pedágio” (2023); Direção: Carolina Markowicz; Roteiro: Carolina Markowicz; Elenco: Maeve Jinkings, Kauan Alvarenga, Thomás Aquino, Aline Marta Maia, Isac Graça; Duração: 102 minutos; Gênero: Drama; Produção: Karen Castanho, Luís Urbano, Bianca Villar, Fernando Fraiha, Sandro Aguilar; País: Brasil; Distribuição: Paris Filmes; Estreia no Brasil: 30 de Novembro de 2023;
O pior cego é aquele que não quer ver é um ditado batido, mas que parece servir exatamente ao que acomete o Brasil com mais frequência nos últimos anos. Ou ao menos é algo que se tornou mais explícito pela repercussão que as mídias sociais digitais dão às coisas. É um fenômeno de ação e reação cada vez mais viscerais, onde a resposta conservadora precisa ser à altura do desenvolvimento de uma sociedade que se vê obrigada a moldar-se conforme um processo de aceitação de coisas que antes eram tabus, pra não dizer sigilosas. Tudo isso é muito óbvio, ainda mais como o ódio, principalmente sob o pretenso religioso, guia diversas das decisões que regem o Brasil. Uma velha história que se repete com nova roupagem, mas que choca pela inequívoca corrupção e distorção moral que é evidentemente transvestida nas bandeiras políticas que oprimem quem apenas quer existir. Tudo isso é muito bem sintetizado em “Pedágio”, novo filme de Carolina Markowicz, e que por mais que possa parecer simplório, a cineasta traz à sua obra uma sensibilidade tal que transforma tudo aqui em um comentário recheado de complexidade que traduz não só o cenário nacional, mas relações pessoais que evocam sentimentos reais e universais.
Há um quê de melodrama no filme de Markowicz que é essencial para retratar a relação mãe e filho em “Pedágio”, papéis interpretados, respectivamente, por Maeve Jinkings e Kauan Alvarenga. Uma relação que retrata algumas das cenas mais cotidianas do brasileiro, na história de uma mãe solteira, Suellen, que trabalha num pedágio, e seu filho homossexual, Tiquinho, e vivem numa cidade do interior, onde a orientação sexual do garoto é assunto de todos. Se há o melodrama, é pela aproximação dos dois personagens, mas a sutileza com a qual Markowicz introduz uma naturalidade ao filme é que torna tudo ainda mais empático, conforme nos vemos se apegando a estes personagens e fazendo parte de suas vidas. Dentro do filme há espaço para retratar o ódio, a ira e a repulsa, e isso vem de vários lugares, mas a forma como a relação mãe e filho é preservada é o que torna “Pedágio” em algo tão especial. Além da forma como é retratada essa relação, ela também se valida através das atuações brilhantes dos protagonistas, que não apenas se justapõem, mas também se complementam. Eles são duas partes de uma mesma coisa, e a beleza disso é o que se sobressaí a todo o restante.
Não é uma diminuição de um em prol de outro, mas quase uma inversão de papéis que discute essa temática de aceitação em diferentes camadas, nas quais concepções morais são questionadas. Existem clichês em “Pedágio”, é verdade, mas não incomodam, porque o filme é construído de tal maneira que tudo ocorre organicamente, uma história cuja narrativa se desenvolve em seu tempo, a seu tempo e em prol de seus personagens. E antes que possa parecer moralista ou algo do tipo, “Pedágio” é consciente o suficiente para contornar essa possibilidade, porque mesmo em meio aos seus eventos derradeiros, ainda que o espectador saia com uma sensação específica ao final, ela não é exatamente o que parece. As imagens que são construídas ao longo do filme traduzem uma miríade de sentimentos e reflexões que nada de simples têm. É um profundo olhar sobre as relações familiares atuais e as cicatrizes que se criam entre o amor, ódio e a incompreensão.