Décima edição da mostra curitibana evidencia a falta de personalidade no panorama atual da produção nacional
Primeiro a ser dito é que, apesar da chamada mais incisiva, não é um ataque direto aos realizadores de nenhuma das partes. Tanto a curadoria quanto os envolvidos em cada filme são dignos de aplausos por manterem a produção nacional viva mesmo após essa destruição de décadas de políticas de incentivo que Bolsonaro promove. Porém, ao isolar o objeto fílmico disso, observando as ideias captadas pela lente, evidencia-se uma geração apática. Apática não como o sentimento que permeia os filmes, tal qual a geração do mumblecore estadunidense, mas no sentido pela falta de ambições e de traços para chamar de seus.
A escolha pela estética da retomada, de foco nas relações cotidianas tipicamente brasileiras, parecem apenas falta de inspiração a partir do momento que os filmes seguem uma cartilha muito restrita de truques que não chamam a atenção mas apenas entediam. O principal motivo dessa fadiga é a ideia de mostrar uma rotina escondida, mas o presente condenou-os à completa ausência de temas dos filmes. Existem pautas, falta subtexto. São filmes que não fazem nada além de levantar a existência, mas não se interessam o suficiente a ponto de buscar alguma dissertação a respeito.
Sendo ainda mais crítico, pode se afirmar que é uma tokenização de pautas, principalmente progressistas. Filmes que apoiam-se inteiramente em falar sobre assunto x,y e z, mas que não destrincham sobre o que querem conversar a respeito. Usando a pauta LGBTQI+ como exemplo, larga maioria mergulha apenas na superfície do vocabulário da comunidade como forma de representar as particularidades da mesma. Um gigantesco cavalo de Tróia que esconde um grande vazio oco ao restante. Tornando a experiência de ver um filme muito mais próxima de um post raso da página Quebrando o Tabu, famosa por atos falhos e discurso superficial, do que da tão procurada e marqueteira representatividade.
Esse termo, junto a chavões como ‘É sobre isso’, ‘Debate importante para os dias de hoje’, ‘Dar voz aos que nunca tiveram’ parece o máximo de argumentação na manufatura destes filmes. Não existe subtexto, muito menos sutileza. Um dos itens que devem estar no bingo de acompanhar um festival atualmente é haver o espaço com “menção tosca ao governo atual”, ao lado de “referência ao governo PT”. Como se a história do nosso país resumisse ao século XXI ou Era pós-collor, um cinismo de saber que haverá uma parcela da elite intelectual (principal público dos festivais de cinema, ainda muito elitizados) que irá dar um sorrisinho que massageie o ego.
Digo isso porque há uma busca incessante pela bola que se erga para a resposta com o cunho de “nós avisamos”, por que para parcela da esquerda (branca e de classe média, diga-se) é mais importante estar certo sobre as eleições de 2018 ou golpe de 2016 do que buscar formas de resolver o fato de metade da população viver em situação de incerteza alimentar. A falta de tempo ainda para digerir os eventos destes eventos nos fornece comparações míopes e emotivas, como o “A culpa não é nossa” que chega a comparar Carlos Lacerda com a Rede Globo, e inevitavelmente, o PT com a figura de Vargas.
Óbvio que há exceções: “Chão de Fábrica“, “Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui” e “A Guerra de Michael” podem ser chamados de destaques do 10° Olhar de Cinema.
Destaques porque usam da linguagem do cinema além da ilustração de seus roteiros, mas sim como parte da gramática. Existe pensamento na mise en scene que agregue ideias, mesmo que no caso do último seja uma ideia bem comum de cinema experimental.
A forma caótica pela qual o ensaio se constrói, falando sobre guerra de narrativas atual e como ela afasta dos debates que possam trazer mudanças efetivas, por meio de um caos pleno de tudo que compõe as imagens escolhidas: cortes rápidos, imagens saturadas e sons estourados e etc. É uma abordagem tão utilizada no cinema experimental atual que talvez já possa perder a alcunha de experimento com a linguagem.
Os outros dois buscam referências que põe a estética recente do cinema nacional em choque, seja a opção por imagens hiper gráficas como na cena de orgia em “Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui“ ao tom teatral e limpo do vestiário que é palco de “Chão de Fábrica“. Em tempos tão agressivos contra a arte, ela deveria provar seu valor a partir do risco, mas parece que o tentar novas formas é exceção ainda.
Que o panorama melhore em 2023, pois os últimos dois anos de festivais são uma gigantesca bandeira vermelha para o país que já teve um cinema novo, as chanchadas, até mesmo uma retomada para chamar de sua com orgulho.