O Homem Cordial, 2019; Direção: Iberê Carvalho; Roteiro: Pablo Stoll e Iberê Carvalho; Elenco: Paulo Miklos, Thaíde, Dandara de Morais, Thalles Cabral, Theo Werneck, Fernanda Rocha, Bruno Torres, Murilo Grossi, Mauro Shames, Felipe Kenji, Tamirys O’Hanna e André Deca; Duração: 83 minutos; Gênero: Thriller Psicológico, Drama; Produção: Maíra Carvalho, Rodrigo Sarti Werthein, Rune Tavares e Iberê Carvalho; País: Brasil; Distribuição: O2 Play;
São tempos estranhos. Se antes tínhamos a impressão de que existiam verdades absolutas, hoje estamos sempre duvidando de tudo e de todos. Esse estado constante de insegurança informacional, faz com que agentes do caos não tenham o menor pudor de criar falsos factoides ou até mesmo de gerar situações apenas para prejudicar a imagem de quem quer que seja. O Homem Cordial se propõe a retratar esse período atual, através da vivencia de uma pessoa que é acusada injustamente de ser responsável pela morte de um policial. A premissa é deveras interessante, mas a execução não só deixa a desejar como também dá a sensação de oportunidade perdida.
Aurélio (Paulo Miklos) é vocalista de uma famosa banda de rock que fez muito sucesso até o final dos anos 90. Na noite de retorno de sua banda aos palcos, viraliza na internet um vídeo que o envolve na morte de um policial militar. Ninguém sabe o que de fato aconteceu, mas o astro passa a ser alvo de grupos radicais. Aurélio, então, se vê inserido em uma tensa e violenta jornada pelas ruas de São Paulo. Durante uma única noite, encontrará figuras importantes de sua carreira e Helena (Dandara de Morais), uma jovem jornalista determinada a descobrir o que realmente aconteceu.
De fato, é muito interessante a escolha dos roteiristas Pablo Stoll e Iberê Carvalho em apresentar um protagonista que pertence a uma classe social a qual geralmente não existem suspeitas: branco, heterossexual e de classe média-alta. A ironia é justamente quando esse tipo de pessoa se vê no papel de quase todas as minorias do Brasil, ou seja, o de culpado antes mesmo de qualquer julgamento ou até mesmo provas. Além disso, as pessoas que o ajudam a refletir sobre e resolver o que está acontecendo são periféricas e, em sua maioria, negras, o que também evidencia o quanto os brancos, estão mais preocupados com seu próprio umbigo do que tentar auxiliar alguém que está sendo acusado injustamente.
Sem dúvida, o ponto forte da produção é a excelente e correta leitura do contexto político brasileiro: a polarização. Ou você é um homem de bem ou você defende bandido. Ou você é petista/comunista ou é bolsonarista. Até mais da metade da projeção, o filme é certeiro ao apresentar o quanto essa dicotomia burra pode acarretar sérios problemas até mesmo para um homem hétero e branco. Porém, no final do segundo e terceiro ato, o filme muda de abordagem e escamba em um terror mais real do que psicológico, apostando em novas discussões sobre racismo, homofobia, abuso de autoridade e fake news que além de não terem sido corretamente desenvolvidas durante o inicio, também soam oportunistas para não dizer pretensiosas.
A narrativa, por ocorrer durante uma noite, dispõe de uma direção inteligente de Iberê Carvalho que nos coloca como cúmplices de Aurélio nessa jornada de descoberta sobre quem e por que o acusa. O uso de planos como o over the shoulder, aquele em que a câmera segue a pessoa pelas costas e a câmera na mão ajudam a reforçar essa ideia. A direção de fotografia de Pablo Baião também é coerente ao pintar as sombras da noite como algo naturalmente ameaçador, sem recorrer a clichês óbvios de escuridão, por exemplo.
Por fim, O Homem Cordial é um longa que entende e se insere em um tempo de dúvidas, porém não se propõe a sanar nenhuma delas, aliás, deixa tudo um pouco mais confuso e, de certa forma, assustador. É um reflexo do pessimismo em que vivemos, sem medo de mostrar o quanto é sintomático que estejamos, no momento, mais preocupados em criar ambiguidades do que certezas. Já estamos percebendo que essas estratégias podem não estar funcionando e quando alguém tentar reverter pode já ser tarde demais.
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