Chega a ser um tanto covarde colocar “Sete Anos em Maio” na Mostra Competitiva de curtas-metragens do Olhar de Cinema deste ano. O novo filme de celebrado Affonso Uchôa (“Arábia“) encontra-se num limbo da indefinição: não é nem longa metragem, acima dos 60 minutos e nem curta, acima dos usuais 20 minutos. Nisso, é taxado como média metragem, colocado aonde acham apropriado. Não por acaso, muitos de conhecidos meus adentraram na sessão da primeira programação de curtas da competitiva com o intuito exclusivo de conferir a nova obra do mineiro. Não por acaso, ainda que a programação apresente grandes filmes, o filme de Uchôa eclipsa tudo e todos pela frente, tirando seu público por completo da zona de conforto. Indignação, medo, reflexão, revolta… São muitos os sentimentos ao término de “Sete Anos em Maio“. Por si só, este filme ultrapassa os limites de seu formato e soa como uma obra gigante, ecoando em meio a catarse das emoções.
Em uma noite de maio, Rafael (Rafael dos Santos Rocha) conta sobre um episódio derradeiro em sua vida: Exatos sete anos atrás, no mesmo meio de maio, após chegar do trabalho, ele é chamado por policiais, que o acusam de porte de drogas. Rafael é levado por eles e nunca mais retorna ao seu lar. Esse episódio parece ser interminável em sua vida. O filme é, em grande parte, o relato de seu personagem na frente de uma fogueira. Seu discurso soa tão poderoso, pelo simples fato de contextualizar em um único caso, problemas estruturais do país: o racismo, a opressão policial, a falta de empatia dos indivíduos cada vez maior.
A direção de Uchôa é hipnotizante, faz seu público ser fisgado, seduzido e arrebatado. Numa plateia majoritariamente branca, privilegiada e com poder aquisitivo de médio para alto, é de pôr em xeque seu público. Poucos ali sabem realmente o que é viver a margem do sistema – eu incluso! Expor essa dicotomia que o país vive soa urgente, pois existem inúmeros outros casos iguais ou piores do que o de Rafael acontecendo a todo momento. São figuras marginalizadas e sem voz. Que espaço existe na mídia para tais casos? Um filme propor a construir essa voz e representar um grupo social abundante pode até parecer panfletário, contudo a mão de Uchôa torna seu derradeiro ato um grito de guerra não meramente por resistência, mas sim por existência.
Portanto, enfrentar o status quo em detrimento de uma população cansada de ser morta, de ser marginalizada e calada. Uma população que é cidadão e sociedade. Quer ser vivo, não mais morto.
Confira aqui nossa cobertura do 8º Olhar de Cinema.