Tinta Bruta (2018); Direção e Roteiro: Filipe Matzembacher e Marcio Reolon; Elenco: Shico Menegat, Bruno Fernandes, Guega Peixoto, Sandra Dani e Frederico Vasques; Duração: 118 minutos; Gênero: Drama; Produção: Filipe Matzembacher, Jessica Luz e Marcio Reolon; País: Brasil Distribuição: Vitrine Filmes; Estreia no Brasil: 06 de Dezembro de 2018
É muito bonito ver o cinema da minha terra, alçando voos longos, ainda mais quando o cenário cinematográfico nacional, é quase sempre focado no eixo Rio-São Paulo. “Tinta Bruta” é um filme gaúcho, rodado todo em Porto Alegre, que chegou ao premio máximo do Festival de Berlim, na categoria Queer e, recentemente, foi o vencedor do prêmio de melhor filme no Festival do Rio. O currículo da fita é admirável e, consequentemente, aumenta as expectativas de qualquer um que vá assisti-lo.
O enredo se desenvolve focando em Pedro (Shico Menegat), um garoto que responde na justiça por um crime e está em processo de aceitação da mudança da irmã. Sem muita ideia de que rumo sua vida irá levar, sob o codinome GarotoNeon, ele trabalha fazendo shows sensuais pintado com tinta neon. Em um certo momento, percebe que sua audiência está caindo e descobre que está sendo copiado por um outro rapaz (Bruno Fernandes).
Dirigido e escrito por Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, de “Beira-Mar” e da série “O Ninho”, “Tinta Bruta”, revela uma amadurecimentos temático da dupla. Se no longa anterior ainda haviam alguns ruídos em relação ao sentimento e a existência Queer, agora não há mais. O foco agora é lidar com os dilemas e as dificuldades perante a sociedade que ainda engatinha para lidar com a população LGBT+. O grande trunfo da fita é não esconder nada, é se assumir inteiramente o que é desde o início e, principalmente, não suavizar a temática, por medo de público ou represálias.
Quando pensamos em produções gays, atualmente, há dois tipos que vem ganhando espaço: aquelas em que tudo parece um conto de fadas (vide “Com Amor, Simon”), e outras que buscam um maior embasamento na realidade (“Moonlight“, “Carol”…). “Tinta Bruta” definitivamente vai para o segundo time, o que é deveras importante, principalmente porque a arte, no contexto sociopolítico que estamos inseridos, ainda é um dos principais meios de denúncia e de resistência para as pessoas Queer.
O grande destaque do longa vai para Shico Menegat que, em seu primeiro trabalho, já se mostra um ator muito competente em uma das tarefas mais difíceis: a de ficar quieto. Boa parte da fita, não ouvimos quase sua voz, mas conseguimos sentir tudo o que ele está passando. A forma como ele move o corpo e o seu semblante, dão ao personagem Pedro uma verosimilhança muito grande. É impossível não sentir empatia com Pedro e com o que geralmente a toda a população LGBT+ passa. Por outro lado, os coadjuvantes não conseguem estar no mesmo nível do protagonista, criando um leve desnível entre e este e aqueles.
Por fim, “Tinta Bruta” chega aos cinemas em um momento complicado, em que um conservadorismo perigoso e fascista, está tomando conta do mundo. Sem dúvida, haverá muita polêmica em relação aos temas que são levantados e, principalmente, da forma como a nudez é retratada na fita, aliás, esta vai, como sempre, chamar mais atenção do que deveria, as pessoas não estão acostumadas a ver pênis, da mesma forma que mamilos e vaginas. O que nos leva também a fazer um paralelo que o filme também faz de maneira muito sensível entre a violência física e a psicológica. Estamos (mal) acostumados a dar importância às coisas mais obvias e esquecendo que há outras maneiras não tradicionais de sentir as mesmas sensações. E pelo simples fato de não serem comuns, não as faz menores, menos relevantes, muito pelo contrário, o fato de serem diminuídas pela sociedade, as fortalecem a cada minuto.