Navios de Terra é uma produção contundente para os tempos atuais. Presente na Mostra Competitiva do 6º Olhar do Cinema, o filme da diretora e roteirista Simone Cortezão apresenta uma ampla ideia e se sustenta na extensa pesquisa feita pela realizadora. Em meio a isso, porém, algo não funciona, ou muito não funciona, e o resultado final é uma boa ideia que se perde em meio a suas limitações.
As metáforas e analogias desenvolvidas são o ponto funcional, os pedaços da montanha que aos poucos são levados através do oceano, assim como o que representam as figuras que encontramos ao longo do caminho, são pontos essências à narrativa e se sobressaem aos demais. Funcionam num estado emocional que justifica a jornada empregada pelo protagonista.
Mas Rômulo Braga em pouco auxilia aos defeitos que Navios de Terra apresenta. De diálogos truncados a uma falta de timing nas deixas, a atuação do protagonista é um trabalho que fica a desejar. Assim como seu personagem, o ator parece estar perdido em cena.
Enquanto se constroem belas imagens em determinados momentos, como na abertura regada a poesia, posteriormente o que se vê é cada vez menos atrativo. Até mesmo por conta de um aparente amadorismo, onde fotografia e montagem se revelam características muito aquém de um padrão mínimo que se espera. Há falhas nos cortes, não há correções ou inclusive qualidade ou coerência em muitos dos diferentes takes usados numa mesma cena.
Um trabalho destoante, o cinema de fluxo ao qual Simone Cortezão almeja acaba ficando distante do resultado final. Aspirando a uma reflexão contemporânea, ideia e execução se perdem num marasmo confuso ao longo do caminho.
Raras são as oportunidades como a que providenciou esta 6ª edição do Olhar de Cinema. Ainda que possivelmente não vá encontrar grande repercussão, El Mar La Mar é um documentário que válida o prazer de se assistir a uma obra como tal em um cinema, culminando naquele que é o melhor filme da Mostra Competitiva este ano.
Pura poesia, o documentário experimental de Joshua Bonnetta e J.P. Sniadecki pode ser difícil de digerir a princípio, mas se faz um retrato desolador das áridas paisagens que enfrentam os imigrantes latinos a caminho do Arizona, nos Estados Unidos, através do implacável deserto de Sonora. Disperso entre o onírico e o real, somos conduzidos através da jornada cruel que o caminho reserva.
A fotografia de El Mar La Mar, todo captado em 16mm, rende das mais deslumbrantes imagens, mas sem deixar o experimentalismo de lado, também rende visuais intrigantes. Aliado a narrativa, à primeira vista parecemos encontrar uma obra em si sustentada em devaneios. Longe da ficção, porém, o que o desenvolvimento justifica é o estado aos quais tais cenários subjugam seus transeuntes.
Numa paisagem bela e desoladora, que a muitos leva ao delírio, os diretores conduzem um estudo sobre a situação que envolve o lugar. A dificuldade de se cruzar o deserto gera relatos que tomam proporções fora do comum, tornando o mesmo num antro de mítica própria, regado a lendas. No fundo, porém, reserva histórias e sonhos perdidos, vidas que já não mais são e tragédias que tornam o amargor comum.
Assolados pelo tempo, renegados por seus iguais, restam as lembranças daqueles que um dia se atreveram em meio ao tormento. Deixados para trás por aqueles que só tinham como opção seguir em frente, errantes em meio a solidão da vasta indiferença desse cenário que promete uma chegada de mínima prosperidade perto daquela experiência. Assombrações que vivem desamparadas em nossas memórias e eternizados em El Mar La Mar.