Os ventos gelados enfim dominaram a capital paranaense, nos últimos dias do Olhar de Cinema as salas de cinema foram recanto, literal, de calor. Tive a oportunidade de conferir todos os curtas que compõem a competição oficial do festival. Especialmente neste segmento, nota-se uma seleção um tanto irregular, com predomínio dos curtas-metragens brasileiros, aos quais se destacaram dos demais.
A Ilha do Farol de Jo Serfaty e Mariana Kaufman apresenta uma coragem narrativa ímpar, ao contar a busca de uma família da ilha do título. A direção das assinantes é primorosa ao construir, em todo momento, o clímax do que seria o desfecho final do projeto. Contudo, as boas intenções, refletidas na coragem do argumento acabam por se perder num didatismo pouco conveniente, abusando dos letreiros para induzir ao espectador envolvimento e curiosidade.
No final das contas, o longa consegue se sobressair diante de uma competição irregular, pode não ser tão incrível quanto ele realmente tem potencial, justamente por preparar o espectador para um arrebatamento, nunca ocorrido. Ainda assim, é merecedor de estar na competição.
Outro curta-metragem em competição é o peruano Vazio/a, dirigido por Carmen Rojas, apresenta uma ótica original sobre uma ruptura de um casal, mediante a leitura de fotos de catálogos de produtos comercializados, como sofás, mesas etc.
A originalidade do argumento sobressai ao questionar de forma despretensiosa a cultura do consumo e do descartável, comparando relações humanas com objetos, algo comum na modernidade. É muito sucinto em sua proposta, contudo poderoso em sua proposta, servindo de um belo retrato sobre como os seres humanos estão se tornando banais e banalizando a si mesmo e aos outros. Uma triste constatação.
No curta português Penumbria, vemos uma cidade praticamente inabitada, decorrente a problemas econômicos, sociais e da natureza. Um narrador vai explicando minuciosamente os detalhes da cidade que dá título ao curta-metragem ter ficado naquela situação, apesar de deter ainda assim potencial para desenvolver-se.
O que soa um projeto meramente documental acaba decaindo num retrato intimista sobre solidão e paixão. Ainda que soe bastante melancólico ao seu desfecho, sua frieza narrativa acaba por distanciar qualquer envolvimento com a estória contada, principalmente por esta ser feita de forma robótica e burocrática.
FAJR é o típico curta-metragem presente a cada ano no festival, o que poderia soar uma poesia ou mesmo um quadro visual acaba por se tornar um banal emulação do cinema do russo Andrei Tarkovsky, porém sem a menor personalidade e propriedade para honrar o nome a ser homenageado. Particularmente, foi um projeto que nada me disse a não ser o quanto o diretor admira o trabalho do russo.
Infelizmente é um curta visualmente bonito, mas completamente estéril.
Ocorridos em um recinto escuro não é um projeto fácil, porém é bastante tocante ao se deparar como a indústria cinematográfica, independentemente do local, é cruel com seus realizadores. O filme é quase um testamento de um artista plástico e visual que tentou realizar um longa-metragem e foi humilhado pelos membros da indústria.
O curta não tenta ser redentor, expõe com frieza os fatos mas nos permite criar empatia com o personagem apresentado, acaba por ser mais longo do que necessitava, contudo é uma das poucas experiências marcantes na competitiva de curta nesse ano, sobretudo ao mostrar como a Arte –com maiúsculo – deve abrir horizontes e não reprimir.
Selva estava na competição oficial do Festival de Cannes deste ano na categoria de curta metragem, o filme lembra em vários elementos narrativos o longa ganhador do Oscar desse ano Moonlight, acaso ou não, a mais célebre cena do longa de Barry Jenkins tem uma “recriação” no curta de Sofía Quirós.
É uma retrato triste sobre solidão e despedidas, busca de acharmos nosso lugar no mundo quando não nos identificamos com nada que nos cerca. É poético e lírico, ainda que não tenha uma argumentação predominante ou uma direção tão original, não deixa de ser um projeto bonito de se sentir.
O último curta no qual falarei é Ciudad Maya, um híbrido documental que busca criar uma “capsula do tempo” sobre a população maia, colocando sobre perspectiva os descendentes maias. Qualquer brasileiro vai comparar a situação indígena local com a dos maias, vendo que ambos os povos são tratados com escárnio do poder público em detrimento dos poder das corporações. É uma constatação triste e necessária ser exposta a todo momento, ainda que soe como excessivamente óbvia – porém tem gente que não quer enxergar essa situação.
O problema, além da duração maçante, é a falta de um intimismo na direção, os personagens aos quais o público conhece não são minimamente explorados, são expostos de forma distante, algo comum nos projetos do gênero, demonstrando novamente a necessidade de dar voz ao povo, seja por meio de uma liderança ou uma personalidade. De todo modo, não deixa de ser um filme interessante, seja pelo fator cultural e social ou mesmo pela entretenimento.