O diretor austríaco Michael Haneke volta ao cinema cinco anos depois de ter ganhado sua segunda palma de ouro, além do Oscar de filme estrangeiro, por Amor (a primeira palma veio em 2009 por A Fita Branca), eram comuns as grandes expectativas sobre seu novo projeto que tinha como foco a crise dos refugiados e o irônico título de “Happy End”, ou Final Feliz. O diretor é conhecido por fazer filmes totalmente subversivos, flertando com o sadismo e a crueldade humana, nem um pouco felizes, daí mais um motivo para criar maior hype entorno. Com a estréia em Cannes tímida e exibindo na Mostra de São Paulo, houve uma grande quebra de expectativa, o público no geral teve uma reação mórbida por considerar um Haneke convencional, pouco inventivo e até “automático”. Decorrente disso, estava desconfiado sobre a qualidade do filme, entretanto Happy End entrega um Haneke visgoso, que tenta assumir um tom de comédia de costumes, num filme difícil de embarcar pela sua subjetividade e identificação. Ninguém gosta de se enxergar na tela como uma caricatura, não é?
Vendido como filme sobre a questão dos refugiados de forma equivocada, Happy End pode até usar como pano de fundo a crescente questão na Europa, porém seu foco mesmo se dá nas relações humanas, como elas são distorcidas, convencionais, hipócritas e falsas, no meio de um mundo contemporâneo, modernizado, onde a revolução dos meios de comunicação tornou tais defeitos ainda mais latentes do que antes. Diante disso, o diretor usa muito linguagens mais contemporâneas, como o uso da câmera de celular, os aplicativos como Snapchat, o chat do Facebook, etc. Ele vai mostrando como tais tecnologias estão nos deixando cada vez mais insensíveis ao ponto de não demonstrar reação perante morte de familiares, traições ou mesmo a crise dos refugiados.
Haneke faz tudo com um humor cínico, usa do sadismo comum de suas narrativas para intrigar na mesma forma que entretém. Ele causa desconforto ao nos depararmos risadas com questões tão sérias, as quais deveriam ser tratadas com complexidade e não jocosidade. Seu argumento é forte, sólido e atinge ainda mais aos mais jovens, por serem justamente uma sociedade deturpada, cada vez mais sem ideias e motivos para viver. E o tal Happy End é uma constatação medonha, sádica, de como viver -ou não- diante dessa sociedade cada vez mais decadente. Pode não ser uma obra-prima que as pessoas esperavam, porém é de uma sofisticação e de uma acidez tão genuína, com direito até a uso de metalinguagem do diretor em referenciar seu longa anterior – Amor. Com um gostinho de quero mais e um elenco sensacional, a expectativa fica para que o austríaco não demore mais 5 anos para retornar ao seu cinema tão instigante. Pelo bem ou mal, indiferente o seu público não fica.
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