“Adão Negro” (“Black Adam”, 2022); Direção: Jaume Collet-Serra; Roteiro: Adam Sztykiel e Rory Haines & Sohrab Noshirvani; Elenco: Dwayne Johnson, Aldis Hodge, Noah Centineo, Sarah Shahi, Marwan Kenzari, Quintessa Swindell, Bodhi Sabongui, Pierce Brosnan; Duração: 124 minutos; Gênero: Ação, Aventura; Produção: Beau Flynn, Dwayne Johnson, Hiram Garcia, Dany Garcia; País: Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 20 de Outubro de 2022;
Cansamos de ouvir Dwayne Johnson dizer que a hierarquia de poder na DC estava prestes a mudar, e ele não estava errado. Ao menos tecnicamente. Porque nos últimos anos Warner Bros. e DC literalmente protagonizaram diversas trocas em seu alto escalão de poder, entre outras posições também. Enquanto isso afeta demais não só o andamento, mas o planejamento de projetos dos super-heróis que há tanto queremos ver ganhando versões nos cinemas, a verdade é que a DC vem se encontrando, mesmo que aos trancos e barrancos. Unanimidades ainda são raras, mas com “Coringa” e “Batman” a aclamação foi incontestável. No entanto, ambos estes filmes são quase uma antítese do que vemos no “Adão Negro” de Jaume Collet-Serra (“Águas Rasas”). Aqui o que impera é a extravagância, e em se tratando de uma produção envolvendo Dwayne Johnson não surpreende que o espetáculo acima de tudo seja o principal objetivo. Característica que funciona há anos na carreira do protagonista, mas que aqui, sem duvidas, se faz um novo desafio. Contudo, não deixa de ser um projeto passional e isso fica até mais evidente em relação aos seus últimos filmes. O resultado final não foge muito da expectativa, mas parece desperdiçar o potencial de ir além do que é entregue.
“Adão Negro” se mostra interessante na forma como introduz seus heróis e a Sociedade da Justiça, sem perder tempo e com introduções básicas e simples, vai utilizando seu próprio decorrer para desenvolver personagens que integram o grupo também sem se demorar com redundâncias de diferentes histórias de origem. O filme não se preocupa em justificar a exata razão dessa formação, e isso pouco importa porque utiliza bem aqueles personagens que seleciona. Em contrapartida, isso também destaca um dos pontos que, se não negativo, deixam a desejar. Ironicamente ao filme espetáculo que é, há todo um discurso praticamente anticapitalista e anti-imperialista presente aqui, com a SJA representando essa fórmula falida dos Estados Unidos de exercer democracia pelo mundo, só quando importa aos seus interesses pessoais. Mas é um discurso muito leviano e confuso, cuja ideia vemos muito bem ser esboçada, mas que é, por fim, deixada de lado. Talvez pudesse ser um ponto melhor explorado até para justificar eventuais conflitos de possíveis sequências, sem contar na percepção de anti-herói que podia ser reforçada ao protagonista. Surpreende ao tocar no assunto, porém, decepciona ao esquecê-lo com a mesma facilidade com a qual o trata. Isso acontece principalmente porque quase tudo no filme soa e aparenta ser muito genérico.
De boa parte da trilha sonora original, das escolhas das músicas presentes em determinadas sequências de ação, às próprias sequências de ação e aos cenários da cidade fictícia de Kahndaq, entre outros diversos elementos, tudo é muito genérico e “Adão Negro”, em dado momento, parece até se tornar uma repetição de si próprio. Uma referência a Sergio Leone, por exemplo, não surte o efeito desejado porque é algo tão efêmero que não possuí peso narrativo algum. Vários diálogos também sofrem desse mesmo mal. Há sempre uma boa ideia, mas a execução fica aquém. Dwayne Johnson interpreta seu mesmo personagem de sempre, e o resultado não é ruim se levarmos em conta que ao menos entretém. Pessoalmente, nunca me canso dele. Mas tudo podia ser elevado, e aqui retornamos ao que há de melhor no filme: a Sociedade da Justiça da América. Se ainda faltou explorar mais a dinâmica entre todos do grupo, as interações entre a Cyclone de Quintessa Swindell e o Esmaga-Átomo de Noah Centino cumprem seu objetivo carismático, enquanto Quintessa se sobressaí e torna seu personagem ainda mais intrigante. Contudo, é na dinâmica entre o Gavião Negro de Aldis Hodge (“O Homem Invisível”) e o Dr. Destino de Pierce Brosnan que encontramos o coração do filme.
Jaume Collet-Serra e Pierce Brosnan parecem se entender muito bem no tom da dramaticidade que querem para o personagem, e por isso mesmo funciona. A relação da dupla Dr. Destino e Gavião Negro, portanto, elevam assim o personagem de Aldis Hodge, aliado à sua atuação, a algo maior no filme. Se há algo para o qual olharmos para o futuro, além de uma sequência do próprio Adão Negro de Dwayne Johnson, é um filme protagonizado por Hodge. Como uma introdução a essa parte do Universo da DC e a esses personagens, é um filme até que bastante funcional, mas a hierarquia precisa funcionar, as ideias, os planos (mesmo os ruins e muito ruins!), precisam funcionar em conjunto. O destino pode não ser bom, mas ainda há tempo para mudar o futuro. As boas intenções aqui deixam isso muito claro, e a sensação de diversão se sobressaí a todo o restante. E é esse gosto de que a diversão podia ser ainda mais memorável no decorrer do filme que deixa um sabor amargo. Há, sim, uma sobrecarga presente em “Adão Negro”, mas faz parte do pacote do que é o projeto. Não é possível viver apenas de promessas, por isso mesmo é tão bom encontrar muitos desses personagens finalmente ganhando vida o cinema!