Sim, o final foi repetido propositalmente. Por que esse ano sairá Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time (em uma tradução, o subtítulo seria um trocadilho com Era Uma Vez) que é o final definitivo de uma série que já teve mais de três finais.

A falta de dinheiro no final da série original fez com que surgisse a demanda por um final melhor elaborado, que veio com The End Of Evangelion. Alguns anos depois, no lançamento do mangá (prática inversa a usual, onde o folhetim baseia a série), dava outra conclusão a série, bem mais otimista.

Basicamente, a obra de Hideaki Anno não é permitida ao descanso. Seja porque os produtos licenciados ainda são uma febre no país em quase 3 décadas, ou porque a especulação em cima de significados e explicações definitivas nunca cessa junto.

O autor, que assim como Hayao Miyazaki, não é grande fã da cultura otaku e se vê na constante necessidade de falar sobre como sua obra foi mal interpretada e deturpada por um capitalismo cada vez mais voraz em saciar desejos e fetiches obscuros (e próximos da ilegalidade). Em uma espécie de basta para todo esse rebosteio, em 2007, Anno decide refazer sua obra com um formato cinematográfico. 

Por mais interessante que seja ver uma animação com orçamento digno da grandiosidade do material original, o sentimento para qual é pouco usual. Enquanto vivemos uma fase onde tudo é feito e arquitetado para que os mais apegados se sintam recompensados por sua devoção, a impressão é de que os Rebuilds (a forma como Anno optou por chamá-los) são uma carta de ódio aos fãs.

Em uma luta contra a sua própria morte enquanto autor e seu controle na interpretação da obra, os três filmes dessa quadrilogia exercem funções diferentes em uma semântica raivosa de reforçar os temas perdidos ao longo de tantos anos. Mas é preciso definir sobre o que era o original.

Neon Genesis Evangelion é um anime de 26 episódios sobre um menino, o arquétipo do jovem suicida no Japão dos anos 90, que sofre com os seus traumas enquanto se vê como a salvação de toda a humanidade contra os Anjos, “monstros” gigantes.

Fazendo a longa história curta, a obra de Anno era sobre inverter e refletir a respeito de um gênero presente no inconsciente japonês desde a segunda guerra mundial, o Mecha. Ao mesmo tempo abordava a própria depressão que o mesmo enfrentava.

Na síntese de sua conclusão, com dois capítulos dignos do adjetivo experimental, a obra conclui que a melhor forma de lidar com seus problemas é aceitando a fragilidade da existência e fugir do fácil escapismo. O que decretou a morte do autor aqui é o fato da marca ter reinado acima da obra.

O que era um trio de personagens femininas com arcos que questionavam sua objetificação enquanto estereótipos, tornou-se mais uma estampa para os travesseiros corporais que preenchem a falta de relações humanas do país. Toda a engenhosidade anti-product placement dos designs dados aos robôs acabou resultando na linha de bonecos que vende com extrema facilidade até hoje; A fragilidade do Shinji deixou de ser aspecto de identificação com um lado mais vulnerável da masculinidade e apenas tornou-se uma piada sobre sua emasculação.

Nesse cenário, os rebuilds agem enquanto sequências ao material original. Como se o protagonista fosse condenado a rever tais eventos até concretizar a lição, sendo um avatar da audiência. Em uma dinâmica em que cada filme cria uma dialética sob os eventos que permite até prever o que ocorrerá no último (já lançado no Japão e sem planejamento de lançamento oficial no Brasil).

No primeiro, com o subtítulo de Você (não) está sozinho, funciona como uma zona de conforto. Pois ele busca a todo momento reafirmar o ethos da série original e seguindo os eventos dos 8 primeiros episódios de forma quase ortodoxa, com exceção de alguns detalhes. O mais nítido é Shinji ver o corpo de Adão (o “deus” que os monstros querem alcançar) quase 15 episódios antes da cronologia original. Shinji, aqui, termina o filme com noção plena do que está fazendo e o que está em jogo de verdade.

O segundo age como um exercício de farsa. Tudo que Anno detesta na cultura otaku pós-original é posto em prática. Shinji torna-se, mais do que nunca, o personagem  masculino cortejado por todas as mulheres porém tímido demais para agir, estrutura que tem até um gênero próprio hoje em dia. Asuka e Rei disputam a atenção do protagonista em funções caseiras, como cozinhar para o seu agrado.

A virada que não torna a obra nociva está em seu terceiro ato, onde Rei e Asuka, exercendo a função desse fetiche masculino por subserviência passivo-agressiva, estão em risco de vida. Dando ao protagonista possui uma escolha: Tentar salvar Rei e iniciar um apocalipse ou apenas evitar o fim do mundo e lidar com um luto posterior.

A escolha de Shinji é um reflexo da escolha feita pelo público otaku. Ele opta pela destruição de todo o status-quo pela preservação de suas bonecas. As consequências de seu ato são interrompidas por Kaworu (aqui, mais codificado com signos LGBT do que nunca). No pretexto das sequelas de um fim do mundo interrompido inicia-se o terceiro filme. Em um movimento muito parecido com o sétimo filme de Star Wars, o penúltimo capítulo trabalha pela reconstrução e progressão do original.

Um mundo destroçado pelas ações de um garoto obcecado por manter a situação sob o seu controle, com Kaworu funcionando como uma voz de Anno extremamente didática e paternalista. E o que Shinji tenta novamente fazer? Reestabelecer o mundo como era anteriormente de forma precipitada, o que quase leva a uma segunda destruição do próprio. O filme encerra com o trio de pilotos reunidos, porém em estados completamente díspares. Kaworu morre de forma bem martirizante para que Shinji entenda de uma vez que a felicidade que ele procura é impossível. 

Então, em um exercício de futurologia datado, visto que já há pessoas que viram o filme, dá para prever um arco prestes a se encerrar. O quarto filme da franquia deve ser uma síntese desses três. Uma despedida menos ácida que o terceiro, menos evidente que o segundo mas que não retorna ao status quo original. Uma reconstrução provavelmente menos apocalíptica do que a icônica cena da praia em End Of Evangelion. Um último aviso aos fãs: Cresçam e superem Evangelion tal qual o seu criador há anos.

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Estudante de cinema, Roteirista e Produtor de curtas independentes. Crítico de cinema vulgar nas horas vagas.

1 Comment

  1. Bom texto 👍

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