A satírica produção sueca de Östlund já nos apresenta em sua primeira cena o sujeito do ideal do século XXI: Christian, um homem sofisticado, bem inserido nos espaços que ocupa, emprego ideal como curador do Museu de Arte Contemporânea de Estocolmo, um bom apartamento. O anti-herói do filme então é a visão do sujeito moderno, intelectual, desconstruído.

Como característica dos filmes de Östlund, o diretor e roteirista brinca com os padrões estabelecidas pela sociedade. Em “Força Maior”, nos mostra uma família dita como padrão de sociedade, que fica presa em um deslizamento de neve e, a partir desse evento, vemos a figura suposta desse pai protetor/pai ideal, que no auge do seu desespero abandona sua família.

Em “The Square – A Arte da Discórdia“, Christian, que é a figura do sujeito ideal de uma sociedade contemporânea, se encontra produzindo uma nova instalação artística, que é um quadrado no qual tem luzes em volta. O quadrado que seria a intervenção de uma sociedade justa e igualitária, sem discriminação e preconceitos. No entanto, nosso anti-herói cai em contradição quando seus pertences são roubados e ele começa uma caçada para recuperar os objetos furtados. Através da localização e da ajuda de um profissional no qual ele trabalha junto, encontra os seus pertences e decidido a recupera-los, manda uma carta para cada apartamento do condomínio do endereço. Ao se deparar com a localização vê que é uma periferia, e ao que me remete também, sendo esse condomínio habitado por imigrantes.

Christian pede ao seu amigo do trabalho que entregue as cartas e busque seus pertences, ~pois ele um homem ideal do século XXI e totalmente desconstruído~ (a contradição do sujeito desconstruído dentro de uma sociedade líquida) não pode em nenhuma hipótese ser visto em um lugar onde moram tais sujeitos que são à margem da sociedade.

Esses sujeitos à margem, que vivem nos condomínios, são representados por uma realidade sueca e da própria Europa que são os imigrantes, moradores de rua e os pobres de recursos financeiros que vivem afastados das paisagens exuberantes tanto de Estocolmo ou Paris.

Nesse momento, Östlund, na maneira de um chiste, diz “olha bem telespectador, esse sujeito é hipócrita, esse sujeito é você”.

Infelizmente, não é uma realidade distante nem do Brasil nem de outro território. Se pegarmos nossa realidade brasileira, vamos ver que somos uma sociedade machista, LGBTfóbica, racista, xenofóbica. Moramos em um território onde as estatísticas apontam que somos o país que mais mata pessoas LGBT, que a cada 30 segundos temos uma mulher sofrendo machismo e violência, que mais mata jovens negras e negros. Ao mesmo tempo vemos nas redes sociais um montante de postagens sobre como todos os sujeitos têm o direito a sua liberdade.

O que faz voltar ao quadro da exposição do filme, um quadrado que é pra ser igualitário mas na verdade, quando atinge a sua realidade, se torna cada um no seu quadrado. Mesmo quando o diferente nos aparece, seja a discussão sobre a camisinha, ou o macaco no apartamento da jornalista ou a excelente intervenção do “homem-gorila” durante um jantar de gala, a pulsão do sujeito pode estar vinculado aos ideais egocêntricos numa tentativa de se proteger, pode-se pensar que esse mesmo sujeito individualista, hoje se encontra dividido, pois foi atravessado de significantes que o fizeram pensar em ideias que pelo menos podemos começar a conversar sobre o que realmente representa o quadrado, quem sabe um dia, pode ser a representação simbólica de uma sociedade igualitária.

Outra questão que o filme me convida a pensar, até pode estar relacionada com os sintomas no sintoma da sociedade contemporânea: a questão da imagem. Na verdade, a imagem é também um sintoma presente nessa sociedade.

A imagem do sujeito ideal, o uso da imagem (impróprios?) para fins comerciais, essa imagem vinculada como sendo um único padrão a ser alcançado, mas que, na verdade, é uma falácia. Não se compreende o sujeito como sendo igual. Nossas subjetividades, personalidades, corpos, são diferentes.

A produção então me remeteu a dialogar sobre a sociedade líquida e começar a pensar sobre a imagem dentro dessa sociedade. Nas palavras de Zygmunt Bauman “um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível”.

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