A semana passando voando, assim como a Mostra Internacional de São Paulo. Tudo na maior correria, vendo filmes sem parar, pouco tempo para pensar, digerir, refletir, botar tudo no papel… Enfim, reitero como a experiência está sendo incrível, vendo um pouco de tudo, de todo lugar do mundo, vivendo experiências, acompanhado de pessoas igualmente singulares. Coisas que só a Arte pode proporcionar. Aqui embaixo um pouco do que se passa na “locomotiva do Brasil”.
O Filho de Saul (Saul Fia)
Foi praticamente unanimidade, o representante húngaro ao Oscar de filme Estrangeiro 2016 surpreende por conseguir mostrar uma fase nunca antes vista na temática (ou quase gênero) referente ao Holocausto. O longa aborda o dia à dia do grupo especial de prisioneiros que da eliminação e limpeza dos cadáveres nas câmaras de gás de auschwitz. Em meio ao morticínio, conhecemos Saul que busca desesperadamente um rabino para fazer um funeral religioso ao seu filho morto, porém vários fatores tornam a tarefa cada vez mais difícil, com a insistência do personagem principal.
Vale ressaltar a direção inovadora de Lászlo Melis, é incrível que seja seu primeiro trabalho como realizador, sua câmera é sufocante, opressora, nos faz sentir prisioneiros e carregando o fardo de seus personagens, até chegarmos ao desespero pleno. O longa capta, para além de um dos mais vergonhosos episódios da história da humanidade, um retrato humano da esperança frente ao terror total, superando barreiras humanas e físicas. É uma experiência cinematográfica única, chega a ser maçante, mesmo com uma duração média. É arrebatador, um filme difícil de embarcar, mas com qualidades tão inegáveis que nos faz pensar na monstruosidade humana capaz de maquinar um sistema de escravidão e extermínio, ao mesmo tempo na nossa resiliência. É algo incrível. Forte candidato ao Oscar desde já.
Dheepan – O Refúgio (Dheepan)
Palma de Ouro no Festival de Cannes desse ano, particularmente eu gosto do diretor Jacques Audiard, contudo seu novo longa se perde por uma direção e roteiro divergentes, se contradizendo. Veio num momento em evidência: a crise imigratória na Europa causa maior furor e revolta no mundo, porém o filme não aborda apenas isso, tenta ir além. Vemos uma falsa família fugindo da Sri Lanka, país vítima de guerra, rumo à França. Falsa pelo motivo de seus membros terem sido forçados a se juntar para entrar no país, visto que suas reais famílias foram dizimadas. Em meio a isso, a “família” de Dheepan consegue um emprego numa zona periférica, as coisas desde o início são difíceis, visto as dificuldades linguísticas e culturais, as coisas pioram quando a criminalidade da região entra em conflito e bota em risco a todos, forçando o personagem título a tomar atitudes radicais, semelhantes as tomadas durante a guerra.
Audiard consegue captar a destruição humana, Dheepan é um personagem que perdeu a inocência, sensibilidade e os princípios que o conectavam com a humanidade durante o conflito armado em seu país, já sua “esposa” ainda mantém firme e forte graças a religiosidade, ela tem fé e esperança naquela terra estrangeira, tenta fazer seu marido se conectar a ela e acreditar nisso. Contudo, há alguns problemas na dinâmica dos personagens, eles destoam na convivência e em suas atitudes, mesmo sendo forçadas a serem algo que não são, parecem não focar onde de fato querem chegar. O final é a contradição maior, desestabilizando o filme e nos proporcionando um filme razoavelmente medíocre. O prêmio de Cannes soa como capricho dos presidentes ou oportunismo político.
Chronic (Idem)
Não sou fã de Depois de Lúcia, filme anterior de Michel Franco, mas sei de suas qualidades, mas parece ser crônico (perdoem o trocadilho) a passividade grotesca de seus protagonistas. Lúcia ainda tinha alguns artifícios que “vingavam” o público que não aguentava se sentir culpado por tudo aquilo acontecendo, mas em Chronic não temos essa mesma sorte, apenas uma tentativa vã de fazer justiça às próprias mãos. O novo longa aborda um cuidador de doentes crônicos, um pai distante dos seus filhos e sem vida social, sua existência resume a cuidar de seus pacientes até a morte. No meio disso, ele é vítima de acusações graves, o forçando a se reinventar. Franco nos faz simpatizar com o personagem de Tim Roth, tenta causar um efeito similar ao dinamarquês “A Caça”, mas em seu final o público se sente enganado, para não dizer violentado. É grotesco ou nojento. Pra quem tem estômago.
A Floresta que Se Move (Idem)
A tragédia já havia sido anunciada, a sessão foi exibida junto com os membros do elenco e o diretor Vinícius Coimbra, que apresentou seu filme se comparando ao Orson Welles. Pretensão demais, não? O filme também é o retorno de Ana Paula Arósio aos projetos… Quanta infelicidade. O longa tenta readaptar Macbeth para os dias atuais, mas é uma coisa tão mal feita, pessimamente fotografada, mal enquadrada, direção pífia, atuações rasas… Até o texto base de Shakespeare é rebaixado num roteiro (se é que se pode chamar disso) que mistura todos os clichês mais hediondos de um thriller. É tão ruim que chega a ser covarde com o público, realmente a Ana Paula deveria repensar num retorno mais triunfal, por que eu prefiro nem considerar a existência desse equivocado longa.
Labirinto de Mentiras (Im Labyrinth des Schweigens)
É uma premissa interessante, perceber como o Estado Alemão democrático contribuiu para encobertar muitos membros nazistas “protegidos”, como o médico Mengele, que fugiu e morreu aqui no Brasil. O problema é ser convencional demais, tão quadradinho, com personagens exaltando heroísmo e patriotismo, aquele senso de justiça cinematográfico, é um filme feito para ser papa prêmios, tanto que foi eleito representante da Alemanha no Oscar 2016. Tem boas qualidades, um bom elenco, mas nada muito memorável, visto termos um “Filho de Saul” falando sobre a mesma temática de forma inovadora e ousada, oposto desse aqui, que é simplesmente esquecível.