“Alvorada” (2021); Direção: Anna Muylaert, Lô Politi; Roteiro: Anna Muylaert, Lô Politi; Elenco:–; Duração: 90 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Anna Muylaert, Lô Politi, Ivan Melo; País: Brasil; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;
A história repara o presente. É comum que isso ocorra em qualquer processo de revisão histórica sobre os fatos, seja em um intervalo de décadas a séculos. O efervescer do presente, onde o dinamismo dos fatores ocorrendo sem grandes explicações facilitam narrativas falaciosas. O impeachment de Dilma Rousseff em 2016 não precisou de meia década para ser corrigido na história. Os ataques e ameaças a sua pessoa nunca terão seu impacto totalmente disperso, mas a concepção da presidente já é diferente desde 2016.
Em tempos como os atuais, a penúltima presidente eleita pelo voto popular saiu de figura pintada como incapaz, descontrolada e arrogante para uma ideia mais turva e ainda imprecisa, mas que as livram das duras palavras impressas na época. Ao contrário de Petra Costa em seu “Democracia em Vertigem“, onde tudo era explicado sob uma perspectiva distante tanto dos eventos quanto da realidade corriqueira, Anna Muylaert faz em “Alvorada” um filme sobre a fé nas instituições.
Pois seria totalmente razoável se a presidenta resistisse de forma mais severa aos ataques, mas não o fez pois acreditou que as estruturas democráticas teriam agência suficiente para impedir o processo de destruição da democracia. E esses mecanismos não são formados por grandes figuras, diariamente em jornais e matérias, a maioria são parte de uma classe trabalhadora que faz esse jogo de aparências funcionar. Por isso boa parte do filme é dedicado a imergir o espectador nesse dia a dia, nas cozinhas, secretarias, processos de limpeza e mudanças.
O interesse das duas diretoras está no funcionamento do palácio como um espelho de todos os aparatos estatais. Ao encerrar o filme com a mudança da residência evidencia-se como o local de aposento do presidente funciona por conta própria quase como uma entidade também. O que pode ser levado até com um certo cinismo de imutabilidade da conjuntura política do país, que por mais que varie suas peças de maior destaque, os verdadeiros agentes permanecem os mesmos.
Sem querer mergulhar nos porquês e reações aos processos, o filme está totalmente interessado nos ruídos e pequenas interações. Até mesmo por isso, a falha de captação de som acaba tornando-se um dos destaques, trazendo uma noção de caos que traduz os eventos dos espaços. Pouco se entende com precisão o que está sendo dito, as diretoras criam uma noção através das imagens, pequenos gestos de cada integrante.
Voltando a uma comparação mais direta com “Democracia em Vertigem“, que é inevitável visto a popularidade do documentário da Netflix, o filme de 2021 não se interessa pela figura do atual presidente em momento algum. E isso é um acerto e tanto, pois apesar do bolsonarismo explodir com o processo de 2016, a figura do atual presidente da república eleito em 2018 não possui protagonismo algum. Em seus 30 anos de congresso, o atual líder do executivo nunca saiu da posição de baixo clero. Nunca foi envolvido em grandes articulações, pois seu voto não possuía capital político algum para que fosse barganhado. Bolsonaro surfou na onda do impeachment mas está longe de ser ativo na sua formação. Enquanto isso, Petra Costa usou o atual presidente em um segmento completamente ímpar do seu filme apenas para expôr o que todos sabíamos.
A distância para os eventos, fazendo 5 anos em 2021, traz a Muylaert maior capacidade de dissertar sobre sem cair no melodramático fetiche de “fomos enganados” que ficou impregnado na maioria da ala progressista. O já citado final com as cadeiras sendo mudadas trazem o agridoce gosto de ver uma derrota tão dura do passado, mas um otimismo de que a mesma dança irá derrubar o atual governo.