“Zinder” (2021); Direção: Aïcha Macky; Roteiro: –; Elenco: –; Duração: 82 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Clara Vuillermoz; País: Níger, França, Alemanha; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;
Aïcha Macky tem um desafio e tanto comandado “Zinder”, porque não é fácil encarar suas raízes e retornar a sua terra natal para fazer um documentário sobre a marginalização e a radicalização da cidade de onde ela vem. Um lugar de extrema pobreza e culturalmente complexo, onde violência é uma parte fundamental disso. Macky até transita com muita facilidade entre a cidade e os personagens que seleciona destacar, mais importante ainda, se coloca acima de qualquer julgamento, ela está ali fazendo um registro que permeia imparcialidade. Porque é um elemento essencial no funcionamento do filme. Porque é a maneira de se entender o que é necessário para sobreviver num lugar que não quer dar chances a ninguém. Que corrompe e corrói a tudo e todos que for possível, enquanto a população no distrito de Kara Kara definha, batalhando de qualquer forma para arranjar trocados onde for possível. A esperança de uma juventude recaí, por exemplo, sobre uma possível futura companhia de segurança, sendo estabelecida por uma gangue chamada de “Palais Hitler”, que inclusive ostenta suásticas na bandeira em sua academia e chama o ditador de “americano invencível”. Uma paisagem desértica povoada por controvérsias e por personagens controversos, cuja vivência é tocante em alguma forma. Ou assim se faz através do olhar da realizadora.
“Zinder” nem parece retratar uma realidade tão distante assim. Talvez um indicativo da consequência da necropolítica implantada a todo vapor no Brasil. Reflexo também de uma colonização violenta, que deixou feridas e cicatrizes, cuja aqueles que corroboraram com isso fazem questão de manterem essas memórias vivas. Manter um ar de superioridade, incrustar isso na mente de quem tem alguma chance a mais para simplesmente seguir perpetuando de maneira estrutural seu racismo, enquanto gere de forma opressora as vidas de todos ali. As cicatrizes no corpo se tornam até um símbolo de poder, de orgulho. Mas não escondem o tamanho da tragédia que se presencia ali. Só que ao mesmo tempo que constrói um retrato pertinente de Kara Kara, a cineasta Aïcha Macky também parece se distanciar. Porque assim como é imparcial, em muitos momentos também se torna impessoal. Talvez porque, no fim, tudo seja formal demais. Os relatos, o cotidiano, os riscos, os perigos, a violência, tudo ali parece filmado de forma muito informacional. Não que seja errado, longe disso. É apenas algo que faz “Zinder” soar institucional demais. Está tudo ali, personagens cativantes e interessantes, mesmo envoltos em controvérsias. Mas a frieza do olhar talvez devesse dar lugar a um abraço acolhedor e pessoal.