“Capitu e o Capítulo” (2021); Direção: Júlio Bressane; Roteiro: Júlio Bressane; Elenco: Mariana Ximenes, Vladimir Brichta, Enrique Diaz, Djin Sganzerla, Josie Antello, Claudio Mendes; Duração: 75 minutos; Gênero: Drama; Produção: Bruno Safadi; País: Brasil; Distribuição: Pandora Filmes; Estreia no Brasil: 03 de Fevereiro de 2022;
Júlio Bressane nunca foi convencional. Atravessou do cinema novo à retomada sem mudar o seu norte para o experimentalismo. Enquanto Gláuber e Sganzerla criavam teses sobre o Brasil com “Terra em Transe” e “O Bandido da Luz Vermelha“, o carioca parecia muito mais interessado pela forma em “Matou a Família e foi ao Cinema“. Como um dos poucos diretores a atravessarem a história do cinema moderno brasileiro, os tópicos e métodos do diretor foram sempre se alterando.
Ver um filme como “Sedução da Carne” ou “Beduíno” em plena dominância da verossimilhança cotidiana como mise en scene, parece até que a intenção do diretor é apresentar um contraponto ao convencional. Ambos filmes norteados por um tom teatral e cercado de auto reflexão da própria carreira, mesclando momentos de quebra da quarta parede com ensaios que utilizam as imagens dos seus trabalhos mais reconhecidos. Sempre nesses projetos há uma artificialidade minimalista que ronda os atores, maioria já conhecidos pelos trabalhos com o diretor, mas com momentos que separam os filmes um dos outros para tirá-los de uma cartilha auto imposta desta forma de pensar cinema.
“Capitu e o Capítulo” segue nesta mesma premissa em sua encenação, abordando de forma bem direta o texto de Machado de Assis como fundamentação para o experimento. A questão deste filme é a falta de um momento para chamar de seu, exceção à cena inicial, poucos elementos diferenciam dos demais projetos da fase atual do diretor. As cenas ensaístas, com exceção a que abre o filme com uma imagem de ruídos que tornam-se uma chuva de pixels em meio ao breu, parecem sobras menos criativas de “Sedução da Carne“.
Os personagens falam de forma pausada, em fundo de pinturas e ausência quase absoluta de cenografia, expondo a teatralidade inerte do texto original, com Vladimir Brichta (“Bingo“) e Mariana Ximenes atuando bem apegados à ideia de tragédia grega que cerca o filme.
Tanto nos momentos não diegéticos, com as inserções de filmagens de obras renascentistas como a figura do historiador da nossa literatura que pausa o filme para criar pequenas dissertações sobre o assunto, como em toda a recriação da obra de Machado de Assis, a opção de Bressane parece estar em negar tudo além do primário.
Por que a partir do primário, em que se expõe de forma mais nítida a relação de causa e consequência. Assim, o diretor consegue estabelecer seus paralelos sem a necessidade de uma exposição direta das ideias. Tornando a figura do historiador nula de sentido, pois a perpetuação do legado da literatura de Machado entre outros, como os modernistas citados no filme, estão além do registro em papel. Algo tão imposto de forma quase genética como as obras postas em museus filmadas por Bressane.
Até por isso há uma evidente opção pela não introdução dos elementos narrativos que estruturam Dom Casmurro. Tal qual a Capela Sistina, a trama de ambiguidade e traição entre Capitu, Bentinho e Escobar é algo carregado pela memória coletiva, transcendendo a necessidade de pormenores como primeiros atos. O diretor talvez seja obcecado pela figura de Machado por ver ele como pai do romance brasileiro, e por consequência, do cinema brasileiro também. E nesta escala de influências diretas ou não, Machado de Assis moldou Bressane de alguma forma. E aqueles que são influenciados pelo diretor, estarão sendo moldados pelo autor da fase romântica-realista. A maior beleza do último projeto de Bressane é reconhecer tal conclusão inesperada.