Plena correria aqui em São Paulo, num ritmo de maratona intensa, no qual tenho assistido entorno de 4 ou 5 filmes por dia. Diante disso, fica bastante pesado ainda manter atualizado aqui, porém deixo aqui alguns comentários rápidos sobre algumas obras que, de alguma forma, me atingiram.
O Dia Depois (Hong Sang-Soo)
O diretor sul-coreano passou por um escândalo de infidelidade, onde traiu sua esposa com a sua musa, atriz de quase todos seus filmes Kim Min-hee (A Câmera de Claire, A Criada). Desde esse processo todo desgastante, o diretor começou a focar na sua cinematografia em um olhar pessoal desse fato. Não por acaso, seus mais recentes trabalhos são tão similares. Entretanto, apesar de temática parecida, O Dia Depois é de longe seu trabalho mais pessoal e esteticamente ousado, onde ele realmente aceita enxergar a si próprio como uma pessoa problemática em detrimento aos dilemas morais de fidelidade.
O filme aborda um dono de uma editora de livros, que trai a esposa com sua assistente e acaba dando um fim nisso a fim de tentar estruturar seu casamento. Entretanto, ele contrata uma nova assistente, vivida pela atual esposa do diretor e sua musa pessoal Kim Min-hee, e a partir daí ele começa a construir uma relação que passa a ser superior de patrão e empregada, num jogo sutil de assédio.
É um daqueles projetos lentos, de poucos cenários, onde tudo acontece decorrente da força das palavras. Nada parece acontecer literalmente, apenas com um esforço das partes. É intrigante como o diretor faz um filme tão leve, porém com uma temática tão pesada, onde aparenta fazer uma acusação contra sua própria pessoa. É um daqueles projetos tão pessoais que é até bizarro pensar o quão universalizado é sua abordagem. Grande fotografia misturado ao grande caráter temático, rendendo uma grande pérola do diretor.
Esplendor (Naomi Kawase)
Talvez o maior ame ou odeie da Mostra São Paulo até agora. Particularmente, nunca fui muito fã da diretora japonesa Naomi Kawase, mas reconheço sua relevância, sobretudo em poetizar muito o banal da vida em cotidiano, nos pequenos detalhes aos quais não notamos. Fui de mente e coração aberto para ver esse filme que estava em competição pela Palma de Ouro em Cannes, infelizmente saí frustrado.
O longa parte de um pressuposto bastante original: uma profissional em fazer auto-descrição para cegos assume o projeto de um filme, mas ela começa a sofrer grandes dificuldades por não conseguir achar uma forma que sintetize a comunicação entre arte e público alvo. Paralelamente, outro funcionário dessa mesma empresa vai perdendo a visão aos poucos e precisa lidar com essa impotência adquirida. No meio disso, os dois começam a se relacionar, precisando enfrentar as dificuldades dos diferentes gênios de ambos.
Naomi Kawase é uma diretora convicta do que faz. Diante disso, ela sabe compor suas imagens com clareza, alcançando sintonia entre imagem e texto. O problema, no entanto, é a pieguice de seu texto, soa bastante barato até a forma do relacionamento dos dois protagonistas, sem aquele naturalismo comum da diretora. É algo meio novelesco e por isso clichê. Ela consegue render poucos bons momentos, mas nenhum de extrema grandiosidade, diante de uma premissa tão original.
Uma Verdade Mais Inconveniente (Bonni Cohen, Jon Shenk)
Não é comum vermos sequências de documentários, porém numa temática tão atual quanto o aquecimento global e ainda diante de gigantescos ataques, de todas as partes, ao documentário original Uma Verdade Inconveniente, a criação desse segundo soa aceitável, até como resposta aos ataques. Contudo, parece não ter sido em vão o fato do diretor Davis Guggenheim não ter aceitado retornar para essa continuação e é compreensível, pois mais parece um palanque eleitoral para o ex vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore se relançar na política, do que um documentário verdadeiramente agregador.
Há um grande maniqueísmo na linguagem, em tentar construir “heróis” vs “vilões”, uma coisa bastante desonesta, principalmente em se tratando do aquecimento global, onde todas as nações tem culpa, em menor ou maior grau. Al Gore é uma figura carismática e sabe disso, usa portanto de toda sua oratória para se promover e ainda criticar os poderosos hoje em dia, além de deixar clara sua mágoa pela derrota na disputa pela presidência em 2000.
Enfim, é um documentário bem didático, para se passar nas escolas e quem sabe pensar um pouco se o Al Gore vai conseguir chegar lá ou não.
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