Valentina (2020); Direção: Cássio Pereira dos Santos; Roteiro: Cássio Pereira dos Santos; Elenco: Thiessa Woinbackk, Guta Stresser, Rômulo Braga, Letícia Franco, Ronaldo Bonafro; Duração: 95 minutos; Gênero: Drama; Produção: Erika Pereira dos Santos; País: Brasil; Distribuição: Anagrama Filmes; Estreia no Brasil: –;
A constituição brasileira promulgada em 1988 – intitulada “Constituição Cidadã” – determina direitos e deveres do cidadão e do Estado brasileiro. No artigo 205, está escrito que o direito a educação é universal, sendo obrigação do Estado a sua promoção, bem como da família a sua garantia. A tese e a prática são coisas completamente diferentes, a nível de Brasil. O próprio texto magno apresenta inúmeras defasagens em relação as demandas contemporâneas. Apesar disso, as leis se atualizam, da mesma forma que a sociedade tenta acompanhar.
Muitos são os motivos da problemática da evasão escolar, intensificada nas minorias sociais. Como promover ações a fim de sanar esse problema, se muitos sequer sabem onde ele está. “Valentina”, singelo longa do cineasta Cássio Pereira Santos apropria de elementos do cinema “coming of age”, acrescenta tons de brasilidade e constrói um cinema social relevante.
A Valentina (Thiessa Woinbackk) do título é uma menina transexual, recém chegada na sua cidade. Ela mora com sua mãe (Guta Stresser), solteira e que fora transferida devido seu emprego de enfermeira. A jovem precisa da assinatura do pai para oficializar sua matrícula na escola pública local, porém, tem dificuldade em encontrar o progenitor, que caiu no mundo. Em meio a essa procura, ela precisa lidar com a adaptação tanto ao novo ambiente escolar, quanto em aceitar a si mesma, seu novo local de moradia e seus novos amigos.
Se apresentando como diferentes propostas temáticas, o filme consegue tratar com leveza, mas sem ser superficial, de temas considerados polêmicos ou mesmo difíceis de acesso. O simples fato de a transexualidade não ser um tabu dentro da família confirma uma tendência do cinema nacional em abandonar esse dilema. A questão principal decai no direito universal ao ensino público de qualidade, negligenciado pela burocracia, desinteresse e mesmo falta de apoio de familiares e professores. A hostilidade dos discentes com o contraditório também é um fator decisivo na evasão escolar. A necessidade urgente de ações afirmativas que coíbam o preconceito soa fundamental, na contramão dos discursos retrógrados que associam conhecimento com ideologia.
A problemática do filme fica entorno de o roteiro trazer conflitos, embora relevantes para a narrativas, porém pouco desenvolvidos – a questão do assédio é pincelada e posteriormente abandonada. É uma clara tentativa de abordar tantos temas, entretanto sem saber aonde chegar em todo o transcorrer. Entretanto, as intenções são mais do que válidas.
Numa clara comparação com “Alice Junior“, recentemente chegado ao serviço de streaming Netflix, são duas narrativas que dão voz e personalidade a figuras marginalizadas no imaginário audiovisual brasileiro. Se Alice adota um tom de fábula, Valentina opta por um realismo que ecoa num dia a dia. Tratam-se de vozes que querem não só serem ouvidas, e sim fazer parte de um processo de transformação da sociedade. Ter o cinema como principal propulsor é primordial.