Nova Ordem (“Nuevo Orden“, 2020); Direção: Michel Franco; Roteiro: Michel Franco; Elenco: Naian Gonzalez Norvind, Diego Boneta, Mónica Del Carmen, Fernando Cuautle, Darío Yazbek, Eligio Meléndez; Duração: 88 minutos; Gênero: Drama, Ficção Científica; Produção: Michel Franco, Cristina Velasco, Eréndira Núñez Larios; País: México, França; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;
A inegável onda conservadora ascendeu no mundo, tendo seu ápice na eleição do agora presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, refletindo em diferentes países a proporções. O audiovisual captou de diferentes maneiras tais movimentos, sobretudo na possibilidade de existir um contraponto, uma resistência que se manifeste na contramão dessas lideranças e de seus discursos elitistas e preconceituosos.
O mexicano Michel Franco vai além em seu novo longa-metragem, laureado recentemente com o grande prêmio do Júri do Festival de Veneza. Aqui ele põe em xeque os movimentos de caráter popular como principal gatilho para a ascensão derradeira de movimentos fascistas de tom autoritário no pressuposto de manter a chamada “lei e ordem”. Cética ou não, seu filme “Nova Ordem” anuncia que o pior ainda não chegou, está por vir.
As ruas da Cidade do México são tomadas por uma série de manifestações populares. A tinta verde escorre as paredes da capital mexicana, o país está em pleno colapso social. Os hospitais são impedidos de atender aos pacientes devido à alta demanda de feridos. Uma mulher é impedida de fazer uma cirurgia no coração, seu marido, desesperado, procura seus ex-patrões para solicitar um empréstimo e conseguir custear numa clínica privada o procedimento. Acontece que, em meio ao caos, os patrões comemoram o casamento de sua filha Marina (Naian González Norvind) com Daniel (Diego Boneta). Numa mansão luxuosa, com carros grandes e presentes dados, majoritariamente, em dinheiro, a alienação da alta classe é interrompida com a chegada de manifestantes. A partir disso, o caos atinge todas as camadas social. Ninguém está a salvo.
O argumento central de Franco, também roteirista do filme, é o principal ponto positivo do filme. Ele põe em diferentes prismas o caráter transformador de insurreições populares – afinal, quem ganha com o povo na rua? Movimentos como a Primavera Árabe, mesmo as manifestações de 2016 – primordiais para o impeachment da então presidente Dilma Rousseff – foram sucedidas por uma escalada de um discurso autoritário, populista e preconceituoso. Infelizmente, a questão de o povo ser usado como massa de manobra das elites, as mesmas que aceitam fazer sacrifícios dentro do seu status quo, soa ser uma realidade cada vez mais visível na história particular dos países. O argumento, contudo, se perde na execução pouco sutil que o cineasta faz.
Há grandes intenções de chocar seu público a todo custo. Os desdobramentos feitos ao longo da projeção apelam para um sadismo gigantesco, até pelo fato de Franco estruturar seu longa focando no dilema de determinados personagens, usando-os para depois simplesmente descartá-los. Não dá para ter qualquer envolvimento ou empatia com nenhum personagem, embora faça o possível para causar incômodo fazendo estes passarem por barbaridades quase gratuitas. A questão da luta de classes é contrastada pela festa do casamento, numa imponente mansão versus a busca do trabalhador por um sistema de saúde que contemple as necessidades de sua esposa, porém, o cineasta abandona esse potencial, ficando por isso mesmo. Aliás, desde o início do filme, sabemos da existência de manifestações truculentas, entretanto, não é dada nenhuma informação ou mesmo suposição do motivo ou mesmo quais poderiam ser as reinvindicações – ao associar tais movimentos com um anarquismo cego, Franco apequena o caráter transformador que o povo pode vir a ter.
A ambiguidade moral expressa nos agentes de Estado se beneficiando do caos, bem como de abraçarem um tom autoritário em prol da “ordem” também soa maniqueísta. O desenvolvimento é praticamente inexistente. O choque inicial se perde num tom de espanto do que o cineasta ainda é capaz de mostrar para seu público – e mesmo como sádico, Franco ainda não atinge seu potencial. A clara necessidade de ser “pujante” e “necessário” se mostra como uma tola pretensão de um cineasta ainda com dificuldade no desenvolvimento e execução de seus curiosos argumentos.
O establishment acaba por se reorganizar frente a ebulição social, travestindo figuras e discursos arcaicos, radicais, como novas respostas para sanar as demandas da população. A sequência final, totalmente anticlimática, consegue ser poderosa por extrair essa dimensão. Apesar disso, não salva de um filme perdido em ambições, raso em suas proposições e sádico em seu decorrer. Aquele amargo de que poderia ser um filme verdadeiramente único.