O Paraíso Deve Ser Aqui (It Must Be Heaven, 2019); Direção: Elia Suleiman; Roteiro: Elia Suleiman; Elenco: Elia Suleiman, Gael García Bernal, Ali Suliman; Duração: 97 minutos; Gênero: Comédia; Produção: Serge Noel, Laurine Pelassy, Edouard Weil, Thanassis Karathanos, Zeynep Özbatur Atakan, Elia Suleiman; País: França, Catar, Alemanha, Canadá, Palestina, Turquia; Distribuição: Imovision; Estreia no Brasil: –;
Sútil. Se há um adjetivo sintetizador da obra do palestino Elia Suleiman, seria justamente esse. Ao decorrer de sua obra, uma crescente presença da questão de identidade. Em questão, a Palestina, um Estado em si que tem sua existência questionada, alguns consideram um Estado soberano, outros acham clandestino, devendo ser submetido e anexado ao território de Israel. A Acadêmia de Ciências e Artes Cinematográficas, responsável pelo Oscar, considera a Palestina uma nação soberana, com direito a representação própria na categoria de filme internacional – antiga categoria de filme em língua estrangeira- sempre bom recordar. São poucos os cineastas palestinos, dentre estes, os que realmente tratam dessa questão, afinal, como é existir em um território que vive entre a legitimidade e ilegitimidade? O mais interessante de Suleiman é pelo uso do humor, do cinismo e da sátira, deixando de lado os dramas comuns às temáticas de filmes advindos do oriente médio. Suleiman é um cineasta aonde as entrelinhas dizem absolutamente tudo.
Cansado de uma rotina monótona, cercado por vizinhos inconvenientes e noticiários pouco esperançosos, o próprio cineasta, protagonista de seu novo longa-metragem, decide por um auto-exílio: Sai em busca de um novo lar, consequentemente de novos significados, vivências, experiências e por aí vai. Ele vai a Paris e Nova York, passeia como turista, sofre o xenofobismo por ser árabe -em ambos os lugares- e ainda percebe as peculiaridades de duas cidades globalizadas que são muito parecidas. E a Palestina? Está presente, o debate sobre a resistência de uma Palestina livre e soberana é levado a todo momento, seja em empatia por parte dos franceses e americanos ao diretor, ou mesmo por escracho destes ao fato da Palestina ser um “puxadinho” de Israel (ou mesmo o fato de Suleiman se tratar de um diretor palestino de comédia). Suleiman faz um olhar cínico sobre a cultura de massa americana, todas as idiossincrasias que tornam a cultura americana tão genérica, ao mesmo tempo que popular. é uma crítica tão afiada, vai na contramão dos discursos ácidos dos diretores Francis Ford Coppola, Martin Scorsese e Ken Loach contra a Marvel e os filmes de Heróis. Menos é mais. Suleiman ataca, mas com elegância e destreza.
Com uma fotografia deslumbrante, Suleiman consegue ser um protagonista carismático, sem dizer uma única palavra. Evoca muito o cinema de Jacques Tati e suas sagas do seu memorável personagem Senhor Hulot. A Palestina do diretor nunca esteve tão viva, ela é mais do que seu paraíso: É sua vida e existência. Sua sombra, tradição e consciência. Essa obra passa a ser, definitivamente, uma ode de amor à Palestina. E um grito por sua soberania e liberdade. A Palestina nunca esteve tão presente, viva.
A existência de um paraíso no pós morte, tanto no cristianismo quanto no islamismo, é uma incógnita. Contudo, o olhar do diretor nos propõe que o paraíso, de fato, deve ser aqui. Em vida. Aproveitando, portanto, o melhor que tem a oferecer. O paraíso nunca esteve tão presente.
Acompanhe aqui nossa cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.