The Deuce – 1ª Temporada (HBO, 2017-); Criada por: George Pelecanos & David Simon; Direção: Michelle MacLaren, Ernest Dickerson, James Franco, Alex Hall, Uta Briesewitz, Roxann Dawson; Roteiro: George Pelecanos, David Simon, Richard Price, Lisa Lutz, Will Ralston, Chris Yakaitis, Marc Henry Johnson, Megan Abbott; Elenco: Maggie Gyllenhaal, James Franco, Gbenga Akinnagbe, Chris Bauer, Gary Carr, Chris Coy, Dominique Fishback, Lawrence Gilliard Jr., Margarita Levieva, Emily Meade, Natalie Paul, Michael Rispoli; Número de Episódios: 8 episódios; Data de Exibição: 10 de Setembro a 29 de Outubro de 2017;
The Deuce inevitavelmente estreou envolta em expectativas, mas havia também um certo receio, afinal a série da HBO, mesmo que não completamente se assemelhasse, trazia a memória outro esforço recente da emissora, numa decepção colossal e que durou apenas uma temporada, mesmo Vinyl tendo sido renovada antes do término de seu primeiro ano, só para ser posteriormente cancelada. A verdade é que a finada série protagonizada por Bobby Cannavele (Master of None) foi algo tão traumático que era difícil não temer pelos rumos dessa nova empreitada, porém, fora a emissora os nomes envolvidos neste projeto são outros e, convenhamos, quando foi a última vez que David Simon nos decepcionou?
Co-criada com George Pelecanos, a dupla se aproxima aqui de recriar algo a altura de The Wire, em uma mescla com algo visto em Show Me a Hero -minissérie espetacular de Simon-, mas que não vive à sombra de nenhuma das duas, apenas às traz a memória pelo simples fato dos nomes por trás da produção e por reaproveitar muitos nomes do elenco de ambas. Dessa maneira, com tanto talento envolvido, The Deuce logo de cara já se firma como uma grande obra, mas aos poucos vai mostrando como essa primeira temporada é apenas uma amostra de um retrato muito maior a ser feito.
A principal virtude de The Deuce seja talvez sua riqueza de personagens, o que surge como uma via de duas mãos. É maravilhoso poder contemplar tantas figuras com tantas nuances estabelecidas juntas em tal lugar, mas ao mesmo tempo há tanto ali que falta cobrir todos de maneira satisfatória o suficiente. Logicamente que os que perdurarem, e espero que seja por muito tempo, farão parte desse grande quadro que se desenha por completo, mas para outros parece um tanto artificial e o que se faz o diferencial, mesmo, é nos interpretes que dão a tais figuras um impacto reconhecível e passível de reconhecimento.
Independentemente disso, o panorama que se constrói é de uma eloquência tão magistral, aliada a uma desenvoltura tão harmoniosa, que The Deuce se faz uma experiência agradabilíssima em termos narrativos. Acompanhar a temporada de estreia da série está longe de ser qualquer desafio, pelo contrário, é tão envolvente que episódio após episódio é comum se encontrar cada vez mais investido no desenrolar de algo cuja finalidades já conhecemos, mas de uma história a qual é praticamente tabu, assim como o próprio conteúdo em si. Quando falamos de sexualidade, pornografia, prostituição e afins, encontramos elementos tão banais no cotidiano, mas na maioria das vezes tradados como tabus.
Há a existência de uma falsa castidade que consome a sociedade tão vorazmente, onde encontramos perdida qualquer possibilidade de analise sem que haja polarização. David Simon e George Pelecanos compreendem isso tão bem e, assim, encontramos em The Deuce, representados em personagens, essas diferentes percepções, não só da indústria que começa a despontar na Nova York do período, mas do próprio corpo e, consequentemente, da sexualidade. Há uma convergência dentro da própria série, explorada pelos próprios personagens, onde interpõem as características que definem o diferencial de cada coisa e como um influencia sobre o outro, direta ou indiretamente.
Aqui encontramos o expoente disso na personagem de Maggie Gyllenhaal, que pode até ser considerada a protagonista de The Deuce, afinal é ela o fio condutor que permeia entre as tramas e amarra a narrativa, mas é ela, também, quem torna óbvia essa justaposição da série. Principalmente nas cenas que desenvolvem um suposto enlace romântico que ela desbrava e culmina em um momento espetacular, que diferente de qualquer novidade, mas bastante incomum, ainda mais podendo ser dirigido por uma mulher, e complementado pela atuação da atriz, que tem na série um trabalho impecável e soberbo. É ela o grande nome do elenco, ao desenvolver uma personagem complexa e cheia de nuances, onde transitamos entre diferentes emoções e sensações apenas pelo escopo do expressivo talento de Maggie Gyllenhaal.
Outro ator que representa isso, mas em dois personagens diferentes, é James Franco (Artista do Desastre). A grande surpresa na série, muito por entregar atuações convincentes e bastante diferentes nos irmãos gêmeos Vincent e Frankie. Os dois, porém, merecem que a série se aprofunde mais em suas histórias, tanto pela boa atuação de James Franco, que rende ótimos momentos em meio a sutilezas, como pela trama dos personagens, que se faz extremamente interessante e, da maneira correta como é trabalhada, se faz uma das mais promissoras e, possivelmente, veremos concretizadas grandes coisas ali, quando convergirem os diferentes extremos da narrativa de The Deuce.
Mas é notável como The Deuce consegue apenas em oito episódios estabelecer tão bem seus núcleos, alguns que se cruzam de maneira muito singela. Entretanto, nunca decepcionam, principalmente pelo brilhante elenco com o qual a série conta. Sejam as atrizes que dão vida as prostitutas, os atores que interpretam seus cafetões, os policiais pegos em meio a uma sociedade que é corroída e nada podem fazer, por enquanto. São muitos desses trabalhos que suprem até os menores deslizes, onde todo o carisma desse vasto elenco é exacerbante, gerando uma empatia tão grande com o público de maneira quase que imediata.
Mas nem tudo são flores, e The Deuce é uma série plenamente ciente disso. Assim, o nível no qual encaramos os personagens é naquele em que vivem, degradados pela sociedade, às margens de Nova York, mas aqui são eles os protagonistas. Existem pequenos momentos de conforto, mas logo sucedidos por choques de realidade que relembram das condições cotidianas que todos ali enfrentam. Um momento é tudo adorável, no outro resta somente o amargor de uma dura verdade, da verdade que cada um vive ali, em um estado de aparente inércia onde o que se considera demanda é volátil segundo a vontade de quem consome.
Não tenho duvidas de que veremos em vindouras temporadas um forte embate de opiniões contrárias e a favor da indústria que começa a surgir em The Deuce. Por isso mesmo é importante a presença de nomes como o de Michelle MacLaren, Uta Briesewitz e Roxann Dawson na direção de episódios, ou então de Lisa Lutz e Megan Abbott, roteiristas de alguns dos episódios. É preciso abranger a temática com a sensibilidade contemplada através de diversidade, algo que já vemos refletido nessa primeira temporada, onde impera a sinceridade daquilo que os personagens em The Deuce representam, para o bem ou para o mal.
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