Better Call Saul
(Netflix/AMC, 2015-)
Direção: Thomas Schnauz, Terry McDonough, Scott Winant, Adam Bernstein, John Shiban, Michael Slovis, Colin Bucksey, Larysa Kondracki, Peter Gould, Vince Gilligan
Roteiro: Thomas Schnauz, Gennifer Hutchison, Jonathan Glatzer, Gordon Smith, Ann Cherkis, Peter Gould, Heather Marion, Vince Gilligan
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Michael McKean, Michael Mando, Patrick Fabian, Kerry Condon, Omar Maskati, Eileen Fogarty, Jessie Ennis, Ed Begley Jr., Josh Fadem, Mark Margolis, Julian Bonfiglio, Rex Linn, Cara Pifko, Vincent Fuentes, Abigail Zoe Lewis, Raymond Cruz, Jim Beaver, Mark Proksch
Número de Episódios: 10 episódios
Data de Exibição: 15 de Fevereiro a 18 de Abril de 2016
O texto contém spoilers.
Better Call Saul surpreendeu em sua primeira temporada, não só por funcionar de maneira completamente independente de Breaking Bad, série da qual deriva, mas também por demonstrar uma qualidade próxima, muitos considerando até superior, a da série principal. Alguns elementos, no entanto, estão ligados de forma diretamente proporcional nas duas séries, o que é trabalhado nessa segunda temporada, dando um pouco mais para os ávidos fãs de Breaking Bad se deliciarem. O funcional é, porém, a maneira como determinados acontecimentos se revelam ainda mais contundentes quando já sabemos quais são as consequências de certas escolhas, mesmo que ainda não sejam as derradeiras.
Depois dos acontecimentos da primeira temporada, Jimmy (Bob Odenkirk) recusa o emprego oferecido a ele pela empresa de advocacia dos sócios Davis & Main. Ter deixado a oportunidade de se dar bem para fazer o certo, e no final não ser recompensando, fez aquele que virá a se tornar Saul Goodman, ou Gene, repensar suas escolhas. A não ser, é lógico, que Kim (Rhea Seehorn) consiga convence-lo do contrário. Enquanto isso, Mike (Jonathan Banks) precisa lidar com problemas em duas frentes: seu trabalho como guarda-costas se vê ameaçado pelo egocentrismo do cliente; sua nora sente que a vizinhança onde estão morando pode oferecer perigo a ela e sua filha. O real problema é, entretanto, quando ambos os problemas de Mike se encontram.
Antes disso muito acontece, é verdade. Aliás, é interessante notar como, nesta segunda temporada de Better Call Saul, as tramas de Mike e Saul são bem divergentes, cruzando-se apenas pontualmente, por motivos que não infligem um impedimento ou um empecilho no desenvolvimento de cada um dos personagens. Chega até a embasbacar o fato de, mesmo já sendo desenvolvidos em Breaking Bad, ambos os personagens terem terreno o suficiente para ser coberto, sem dar um sinal de redundância ou sequer apelar a clichês. É parte da genialidade dos roteiristas responsáveis pela série, que conhecem muito aquilo que estão por escrever.
Assim, Better Call Saul faz pelo personagem de Saul Goodman algo que é incrível. Ainda que fosse querido na outra série, era muito por seu carisma. Aqui, ainda mais nessa segunda temporada, Saul Goodman ganha níveis de complexidade que nos envolve ainda mais ao personagem, tornando os momentos daquilo em que culmina em seu futuro em passagens melancólicas. Não é à toa, portanto, que Better Call Saul apresente seus flash forwards em preto e branco. Não é só uma escolha estética estilística, é uma escolha que diz muito sobre o estado atual do personagem de Bob Odenkirk.
Assim é que começa a brutal experiência que é a transição de Better Call Saul para Breaking Bad. Porque a Kim Wexler de Rhea Seehorn, que faz um brilhante trabalho interpretando a personagem, não faz parte do futuro de Jimmy McGill. Os indícios do que podem levar a cisão entre os dois nos são entregues em golpes surpreendentemente duros, porque revelam uma verdade que, ao menos de minha parte, eu não havia cogitado. O motivo do sucesso na realização desse contraponto se dá pela ótima estruturação das motivações de ambos os personagens, porque ainda que Kim não seja tão bem desenvolvida quanto Jimmy, por motivos óbvios, ela é uma personagem indiscutivelmente bem construída.
O mesmo funciona para Chuck (Michael McKean), que nessa temporada nos rendeu até um flashback antes de sua vida confinado à casa onde vivia com a esposa. A trama de Chuck funciona em duas frentes nessa segunda temporada de Better Call Saul. Primeiro ela faz o brilhante papel de dramatizar a história do personagem, nos aproximando dele, a ponto de ser realmente difícil chegar à conclusão de qual seria a escolha certa a se fazer no final do nono episódio. Lógico, as consequências que se seguem são capazes de influenciar numa escolha diferente, é nessa outra frente que funciona a trama de Chuck. Porque, querendo ou não, ele de certa forma acaba se tornando o vilão da história, ainda mais com a reviravolta do final da temporada.
Reais vilões, no entanto, é com que Mike Ehrmantraut lida. É interessante a divisão que Better Call Saul faz, separando o caminho de dois personagens, basicamente numa história de origem, que sabemos que posteriormente passam a trabalhar em conjunto. O que acontece menos vezes nessa temporada, mas gera a nuance do porquê Mike e Saul confiam, se é que essa é a palavra correta, um no outro. De qualquer forma, o que a trama “solitária” de Mike traz para Better Call Saul é um lado mais obscuro, que ameniza as escolhas de Jimmy porque passamos a acompanhar um mal o mais próximo da essência daquilo que consideramos não ser o correto a se fazer.
Além de tornar o lado sombrio mais palpável, a trama de Mike também permite o reencontro com alguns personagens marcantes, como Tuco Salamanca (Raymond Cruz), que já havia cruzado o caminho de Jimmy na primeira temporada, e seu tio Hector Salamanca (Mark Margolis), gerando conflitos que estão entre os melhores momentos da temporada. Abrindo, também, a possibilidade de retornos muito aguardados, ainda mais quando a missão de Mike se encerra de forma muito misteriosa, dando um indicativo de que, possivelmente, um novo aliado, com os mesmos inimigos, está à espreita.
Algo que se assemelha para Mike e Saul/Jimmy é o fato de que suas futuras situações se tornam ainda mais duras de se encarar, para aqueles que acompanharam Breaking Bad até o final. O mais difícil é para Mike, cuja final, que já era dos mais cruéis, se torna pior a cada virada do destino (ou escolha dos roteiristas), tornando a vida do personagem numa provação imensurável. Muito deve-se também à atuação de Jonathan Banks, que consegue delinear tremendamente bem tudo pelo que seu personagem é submetido, remetendo a qualidade de sua atuação nos tempos de Breaking Bad, onde também fazia um trabalho soberbo. Porém, assim como lá, aqui a série pertence a outrem.
Better Call Saul sem dúvidas requisita o melhor de Bob Odenkirk, que demonstra um comprometimento e uma entrega que são inacreditáveis. É difícil dizer onde começa e termina o Saul Goodman quando Bob Odenkirk lhe dá vida. Alia-se a isso uma estupenda narrativa, que assim como em Breaking Bad, que citei tantas vezes, não tem medo de correr riscos. Talvez seja até por isso minhas inúmeras citações sobre a série da qual Better Call Saul deriva, mesmo funcionando de forma independente, ela se fortalece com aquilo que já sabemos, com a equipe responsável pela série sabendo como surpreender o público. Mantendo, ainda, uma qualidade técnica absurda, que se não faz jus a qualidade de Breaking Bad, quem sabe em momentos até a supera.