Na última semana, chegou ao fim, mais uma season finale do universo de “American Horror Story“, dessa vez intitulada de “Cult“. Ryan Murphy (The People v. O.J. simpson, FEUD: Bette and Joan) e Brad Falchuk, na sétima temporada acertaram os elementos para entregar uma série de qualidade, em que todos os episódios nos deixaram surpresos e inquietos.
Não que as outras temporadas de “American Horror Story” tenham sido ruins, mas sempre ficava aquela sensação de “faltou algo”, “correram demais com a evolução de alguns personagens”, e por aí vai. E, em “American Horror Story: Cult” parece que o jogo virou, não é mesmo?
Mas então qual a diferença dessa temporada para todas as outras? Ryan e cia decidiram nos trazer a nossa realidade como sociedade. Mesmo o cenário sendo Estados Unidos 2017, para quem assistiu a série, poderia muito bem identificar pontos semelhantes ao cenário político-social-histórico brasileiro. Em uma terra temos Trump, descendo o continente americano, temos acompanhado o real contexto de um Bolsonaro ganhando forças e aliados.
O tema central da série já é explícito desde o primeiro episódio: medo/terror. Esse sentimento que leva a sociedade a procurar ações, onde as medidas se esbarram, e continuam acontecendo através da violência – O Discurso de Ódio. A partir de momento, que a liberdade de expressão atravessa a linha da impaciência, estamos falando de ataques aos direitos humanos. Não apenas Estados Unidos e Brasil estão vivendo o amargo do seu ensaio sobre a cegueira, como muito bem discursado por José Saramago, mas o mundo ao mesmo que usa a sua voz a caminho da sua liberdade, a mil léguas numa mesma linha horizontal, os Trumps/Bolsonaros se alimentam do Discurso de Ódio como suas sobrevivências, sem se importarem com o perigo de suas palavras – eles querem a Casa Branca ou as ruas de Brasília.
“Depois de todo o tempo que passou desde que o examinei,
deve estar como uma nuvem opaca: Vai ficar cego. Não, logo
que a vida estiver normalizada, que tudo comece a funcionar, opero-o, ser uma questão de semanas. Por que foi que
cegamos. Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a
razão. Queres que te diga 0 que penso, diz, penso que não
cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos
que, vendo, não vêem. (Ensaio Sobre a Cegueira – José Saramago)”
“American Horror Story: Cult” denuncia fenômenos sociais, como, racismo, LGBTfobia, feminismo, machismo, radicalismo político, intolerância, medo, terror, misoginia. Muitas pessoas chamam todas “essas coisas de mimimi”, mas pela primeira vez, e com ajuda de filmes e séries, podemos problematizar sobre questões que ficaram escondidas em caixas de abelhas.
O Discurso de Ódio está sendo usado como articulador do medo dentro da sociedade, e está vestindo uma fantasia de liberdade de expressão. Na série, o personagem Kai, que foi muito bem estruturado pelo ator Evan Peters, usa da fragilidade humana para construir seu exército e maximizar a violência pela cidade, e trazendo o terror como a solução para situações que se dizem estar fora do padrão (o famoso “tradicional família brasileira”). Mas diferentemente de outras épocas, a liberdade de ser quem somos já é realidade, e juntamente com o acesso de informações disponíveis nas mídias, e movimentos sociais, a magnitude da resistência continuará a resistir.
E na brilhante atuação de Sarah Paulson, fazendo a personagem Ally, encontramos a representação de ser a parte da sociedade que sente todos os medos reproduzidos pela onda de terror, que por um período de tempo, sentiu todas as fobias em seu corpo, até que se levanta, e começa a elaborar todos os sintomas dessa sociedade e o que poderia fazer para se salvar e a sua família. Afinal, na série, temos um culto solto pela cidade, causando mortes.
Mortes que são reais nas ruas de New York, Rio de Janeiro, Teerã, Londres, Paris, Roma, Cidade do México,Bogotá… o Discurso de Ódio sendo usado como liberdade de expressão está espalhando cada dia covas em nossas cidades. Uma mulher não pode andar de ônibus, porque como sabemos, um cara pode se sentir na liberdade de ali mesmo “se aliviar”, duas mulheres, dois homens andando de mão juntas ou se beijando correm perigo nas ruas dos cegos de Saramago. As pessoas trans já estão caindo ao nosso redor, assim como os negros e negras. O Discurso de Ódio começa na palavra, e encontra seu ponto de desejo na violência, e sempre respaldado pelo medo.
Por isso tudo,”American Horror Story: Cult”, é uma série que merece ser assistida e debatida. Pois a mídia visual tem poder de aproximação com as pessoas, e pode nos ajudar como sociedade, a identificar nossos erros. Pois, o discurso da manipulação das massas, que nós conhecemos muito bem através de Hitler, só inicia porque, os falsos líderes usam de nossos próprios medos para nos trancar no quarto escuro. Então, nosso maior terror é a própria sociedade, nós.
O cenário norte-americano está pipocando desde a noite da apuração de votos. O cenário brasileiro está formigando a cada nascer do sol, me faz pensar: o que acontecerá em 2018?
https://www.youtube.com/watch?v=VKioatZpq5Q
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