“Os Primeiros Soldados” (2021); Direção: Rodrigo de Oliveira; Roteiro: Rodrigo de Oliveira; Elenco: Johnny Massaro, Renata Carvalho, Vitor Camilo, Clara Choveaux, Alex Bonini, Higor Campagnaro; Duração: 107 minutos; Gênero: Drama; Produção: Pique-Bandeira Filmes; País: Brasil; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;
Quando A Lista de Schindler chegou aos cinemas, muito se criticou a enobrecedora abordagem americana para com a segunda guerra e os crimes do Holocausto. O tom melodramático de Spielberg soou desrespeitoso, principalmente aos europeus, que vivem com vestígios do episódio diariamente. Esse sentimento se dá pela compreensão de que a guerra é, antes de tudo, um processo de desumanização de todos os envolvidos. São jovens postos a campo aberto pela disputa por poder de aristocratas os quais eles nunca terão acesso a uma ínfima migalha.
Esse abandono em espaço desconhecido, lançado à própria sorte, justifica a abertura de “Os Primeiros Soldados“. O personagem fantasia com estar perdido e ferido em mata aberta, vagando pela mesma atrás de ajuda mas sem sucesso, enquanto seu sobrinho mergulha em mar aberto na dimensão do real. Depois descobrimos que a fantasia militar faz parte de um experimento visual que o protagonista faz em seu retiro rumo à morte concreta que o diagnóstico de AIDS trouxe à ele e seus dois amigos.
O brincar com a transição entre o real, o ficcional e a farsa parece ser o grande trunfo do filme dirigido por Rodrigo de Oliveira para destacá-lo da produção LGBT atual no país. Enquanto a maioria aborda um aspecto mais documental contemporâneo, o participante do Festival de Tiradentes possui uma condução clássica, com marcações bem definidas, poucos movimentos de câmera e enquadramentos precisos. Os únicos momentos em que o diretor se abre um pouco para uma intervenção mais maneirista são as festas e espaços como baladas e festas, para marcar a liberdade fornecida às cores reprimidas nos demais locais de convivência da heteronormatividade.
Algo que intriga e atrai nessa recente onda de filmes da comunidade é negar o clichê em que a AIDS é o centro do conflito. O que parece o cerne aqui é a solidão que a mesma traz, e as tentativas de disfarçar a mesma para os demais no entorno. Como criar uma farsa que consiga esconder toda a realidade cruel que o personagem vive, tornando a sua jornada solitária mais palatável à irmã e ao sobrinho. Rodrigo opta por mesclar as perspectivas entre o Tio e Sobrinho, tornando um jogo de ilusões em um fluxo próximo de uma transição. Enquanto o mais velho se lança à mata escura em pleno sonho acordado, o mais novo mergulha de fato em um mar aberto. O sobrinho encerra o filme observando o registro do tio, enquanto tenta aprender com os mesmos.
Então, por final, o que fica preso em “Os Primeiros Soldados” são essas camadas da força do registro: Seja o filme ensaiado dos personagens, que funcionam em uma lógica interna camp; Seja o registro da experimentação dos remédios; Seja as supostas cartas vindas de Paris do tio ao sobrinho, tornando a realidade em farsa. Para uma comunidade a qual a vida e suas mazelas soam como males inevitáveis e sem mediação, de violência sempre em direção aos seus corpos, o registro torna-se uma forma de tornar-se ativo enquanto memória.