“Pisque Duas Vezes” (“Blink Twice”, 2024); Direção: Zoë Kravitz; Roteiro: Zoë Kravitz e E.T. Feigenbaum; Elenco: Naomi Ackie, Channing Tatum, Christian Slater, Simon Rex, Adria Arjona, Kyle MacLachlan, Haley Joel Osment, Geena Davis, Alia Shawkat; Duração: 102 minutos; Gênero: Suspense; Produção: Bruce Cohen, Tiffany Persons, Garret Levitz, Zoë Kravitz, Channing Tatum; País: Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 22 de Agosto de 2024;
Foi uma grata surpresa descobrir que Zoë Kravitz (“Batman”) estava se tornando uma cineasta, fazendo sua estreia como diretora e co-roteirista em “Pisque Duas Vezes”. Digo isso porque quando ela seleciona seus projetos de atuação, mesmo sendo questionáveis como a franquia “Animais Fantásticos”, sempre parece ter algo a oferecer que vai além das aparentes limitações do projeto, não à toa por muitas vezes é ela o mais interessante destes. Isso aliado ao fato do quanto ela amadureceu a cada papel e se tornou uma força dominante em cena, é muito notável o que ela agrega a qualquer produção pela forte personalidade que possui. Assim, não podia ser algo diferente o resultado de sua estreia das câmeras, e mais, não só parece uma escolha certeira para sua carreira, como é uma bem-vinda adição à leva de cineastas emergentes que utilizam de um cinema de gênero como fachada para debater temas relevantes e caros à diversidade que representam nas telas. Kravitz estreia com uma linguagem bastante moderna, mas atenta aos mínimos detalhes à construção de um filme complexo e “descolado”, que alinha ambas as coisas e nos leva a lugares surpreendentes e chocantes sem ser forçado, enquanto têm suas liberdades para navegar em momentos de deleite da própria realizadora.
“Pisque Duas Vezes” é um daqueles filmes que quanto menos se sabe sobre, melhor, porque cada surpresa e reviravolta são golpes que quanto mais despercebidos nos pegam, mais efetivos são. A razão disso é que estruturalmente o filme de Kravitz é até bem simples, mas as camadas que ela explora através do suspense e do mistério que rodeiam a ilha ali são o que tornam esta uma obra complexa, porque a maneira como ela aflora as emoções e nos joga na realidade é como cair de um abismo sem qualquer amparo, é de fato chocante, mas o choque maior, talvez, seja mesmo o de confrontar aquilo. O terror não vem de algo além de nós mesmos, e não há constatação que se faça pior do que essa. Toda a construção desse suspense é o que torna o filme tão brilhante, seu apuro estético não é apenas um ornamento vazio, são escolhas muito bem pensadas para refletir esse universo singular que é criado aqui e para trilhar os caminhos da narrativa da melhor maneira possível. A direção de fotografia é brilhante, desde os menores movimentos e ângulos de câmera, aos enquadramentos que quase nunca mostram o rosto daqueles que servem aos convidados, em trucagens que merecem uma revisita para compreendermos ainda mais cada detalhe da história.
Retratos de um paraíso idílico no qual a trilha sonora de Chanda Dancy nos hipnotiza, no qual a montagem nos deixa inebriados na maior parte do tempo, para então, aos poucos, deixar com que a ressaca se abata sobre o espectador sem a menor dó. Tudo é uma energia pulsante e vibrante em “Pisque Duas Vezes”, numa vitalidade que só perde um pouco do seu ritmo com vícios narrativos hollywoodianos que são quase impossíveis de escapar para que se possa mastigar toda informação nos mínimos detalhes. Todavia, não é nada que estrague o restante da experiência, mesmo que ela em si não seja algo exatamente agradável. A realidade é que “Pisque Duas Vezes” parece ter essa característica viciante, mas intoxicante, com atuações como as de Naomi Ackie, Adria Arjona (“Assassino por Acaso”) e Channing Tatum, que fazem dos seus momentos protagonizados em tela um desbunde. Ackie, no entanto, é quem conduz a trama, e como ela encena tão bem os sentimentos de sua personagem e suas reações (e ações) são majestosas. Uma estrela! Ela e Arjona são as principais responsáveis por uma empatia que torna “Pisque Duas Vezes” em algo até perturbador e é esse incômodo que Zoë Kravitz é capaz de gerar com tudo isso que nos deixa cientes estarmos frente a uma grande realizadora.