Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar (2019); Direção: Marcelo Gomes; Roteiro: Marcelo Gomes; Elenco: ; Duração: 86 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Nara Aragão, João Vieira Jr.; País: Brasil; Distribuição: Vitrine Filmes; Estreia no Brasil: 11 de Julho de 2019 (Sessão Vitrine);
Toritama, a capital do jeans brasileiro, 150 km de Recife, capital do Pernambuco. O produto é a fonte de renda da região, que produz mais de vinte milhões de calças jeans por ano, em fábricas de quintal. Os moradores locais trabalham nessas cooperativas, em jornadas de até 14 horas diárias, algo que eles consideram melhor do que morar e trabalhar na cidade de São Paulo. O único momento de lazer e descanso desses trabalhadores é o feriado de carnaval. Com menos de 40 mil habitantes, o diretor pernambucano Marcelo Gomes retorna a essa cidade, pela qual ele tem tanta memória e apreço afetivo. Num documentário partindo do princípio personalista, Gomes acaba por fazer um filme sobre uma cidade, sobre sonhos e anseios de uma população e, sobretudo, sobre os trabalhadores e seu ofício.
O grande mérito do longa de Gomes é a espontaneidade. Seus personagens em tela esbanjam carisma naturalmente, há pouca interferência saltante do diretor na construção da dinâmica entre personagem e diretor. Inclusive, o fato do cineasta demonstrar grande identificação com a cidade, decorrente de lembranças de sua infância, versus a falta de identificação com o que Toritama tornou-se atualmente, vai para um caminho de exploração e descoberta da cidade, personificada entorno daquelas pessoas e não mais entorno das memórias do diretor. Em vez de partir para um caminho de estranhamento e até mesmo tornar um objeto exótico, Gomes revê o próprio apreço pela cidade, demonstrando como esta consegue despontar com singularidade decorrente tanto da produção dos jeans, quanto pela sua população trabalhadora aguerrida.
Partindo das memórias de um diretor, por suposto, privilegiado, Gomes na verdade conta uma estória sobre os trabalhadores. Com uma clara ode ao estilo documentarista de Eduardo Coutinho, ele foca na simplicidade, no cotidiano e na personalidade própria de seus trabalhadores, que esperam o dito carnaval como forma de norte, para seguir em frente em meio a todas as dificuldades pelas quais passaram, passam e passarão. Não por acaso, o título é inspirado numa canção do compositor e cantor Chico Buarque, de nome homônimo, um dos versos sintetiza a obra de Gomes: “E quem me ofende, humilhando, pisando. Pensando que eu vou aturar. Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.” Os versos são quase uma alusão à luta de classes, presente direta e indiretamente nas relações trabalhistas e sociais. O filme sutilmente abraça tais insinuações, principalmente pelo fato de dar voz apenas aos trabalhadores, não vendo os seus empregadores.
O longa documental consegue ser bem sucedido em suas principais propostas: tanto em ser um retrato dos trabalhadores vivendo numa cidade “pitoresca”, como em representar o afeto do próprio realizador Marcelo Gomes, este que começou em sua infância e consegue ser resinificado na maturidade, graças ao carisma e empatia por parte dos trabalhadores. É um filme sobre classes, que nada mais querem que ir a folia. O carnaval é de todos. Porém, aos trabalhadores só resta esperar.
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