Green Book – O Guia (Green Book, 2018); Direção: Peter Farrelly; Roteiro: Nick Vallelonga & Brian Hayes Currie & Peter Farrelly; Elenco: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini; Duração: 130 minutos; Gênero: Biografia, Comédia, Drama; Produção: Jim Burke, Brian Hayes Currie, Peter Farrelly, Nick Vallelonga, Charles B. Wessler; País: Estados Unidos; Distribuição: Diamond Films; Estreia no Brasil: 24 de Janeiro de 2019;
Grande vencedor do Globo de Ouro desse ano, “Greek Book – O Guia” gerou polêmica após tweets racistas e anti-islã de um de seus roteiristas, Nick Vallelonga, o filho do biografado, virem à tona, colocando o filme em debate decorrente da representatividade dos personagens. De fato, a problematização não é à toa: é uma daquelas obras bem intencionadas, contudo que beiram ao lugar comum. Não estranha, portanto, o fato de tamanha ovação da indústria ao longa de Peter Farrelly. É decorrente o cinema norte americano propor esse debate racial, tendo como ponto de vista o olhar do branco, numa tentativa de conciliação racial, uma redenção do branco americano médio, punindo os maus exemplos e exaltando o negro, após ele passar por uma jornada de provação de seu valor, enfim ele atinge seu auge, ao lado do seu companheiro branco. Uma fórmula de bolo irresistível aos olhos da indústria. Porém, batida e pra lá de perigosa. Causa certa indignação a ovação de um prêmio da indústria estrangeira a um filme tão controverso, sobretudo em anos de discursos corriqueiros de representatividade e contra os diferentes níveis de abuso.
O tal livro verde (ou green book) do título se trata de um guia de direção para motoristas negros circularem nos anos 60 nas rodovias sulistas americanas, incluindo hotéis aonde se acomodam negros. Acompanhamos a turnê no profundo sul americano do pianista de jazz “doutor” Don Shirley (Mahersharla Ali), acompanhado de seu motorista descendente ítalo-americano e preconceituoso Tony Vallelonga (Viggo Mortensen). A dinâmica dos dois segue o clichê, inicialmente o choque de duas figuras antagônicas, dois mundos completamente diferentes colidindo, um racista precisando lidar com um chefe negro. Aos poucos, vai se ganhando intimidade entre os dois, desconstrói-se o preconceito e percebe-se que se tratava de mero desconhecimento. Ponto. No final, aqueles dois indivíduos tão diferentes se tornam complementares, servindo de uma jornada de transformação na vida de ambos. E eles saem cientes de que fazem agora parte da vida um do outro.
Posso até estar contando algum spoiler, porém é um roteiro tão preguiçoso, beirando ao clichê e ao senso comum, chegando facilmente a ser desvendado no início da turnê dos dois protagonistas. É curioso o fato do filho do personagem do Tony Vallelonga assinar o roteiro e construir o personagem de seu pai, assim como de sua família como um todo, de forma tão estereotipada. Há um “núcleo” italiano no filme, algo bem novelesco, bastante quadrado, recheado de todos os clichês possíveis. Mortensen (“Capitão Fantástico“) tem um desempenho até simpático num personagem ingrato, soa superficial e repetitivo o modus operandi dele, sempre partindo para agressividade quando contrariado e aderindo uma capa de ignorância caricatural. Por mais impressionante, Don Shirley consegue ser um personagem interessante, recheado de conflitos ao passo que Mahershala Ali (“Moonlight“) desempenha uma incrível atuação, dando dimensão a tal. Um afro-americano em ebulição, rejeitado pelos brancos e sem identificação pelos negros. Em plena crise de identidade. A dinâmica entre os dois funciona graças ao carisma de ambos os atores, ao modo que a direção de Peter Farrelly é completamente convencional, num road movie aonde o texto justamente exalta a beleza e relevância da paisagem, pouco a mesma vê ganhar essa importância, nem mesmo visual. É uma direção televisiva, digna de sessão da tarde.
Entorno da polêmica racial, vale ressaltar inúmeras infelicidades, por mais que não seja uma obra ofensiva, dá margem para discursos bastante errôneos e senso comuns. Em dado momento, por exemplo, Tony diz que os negros gostam de comer frango frito e é advertido por Shirley decorrente da superficialidade, ele responde ser um “mimimi” e ainda: “se você falasse que todos os italianos gostam de comer macarrão e massas, eu não iria reclamar”. Esse tipo de discurso além de infeliz, chega a ser boçal. Além disso, há uma exaltação a um altruísmo claramente forçado entorno de Tony, questionado pelo próprio Doutor Shirley na vida real. Por fim, vale ressaltar o incômodo da insistência de existir personagens femininas como a de Linda Cardellini nesse filme, sem a menor função dramática além de esperar seu marido voltar e ler cartas ao longo do filme. Pelo amor? Isso é construção de personagem? A mãe de Nick só fez isso durante a turnê toda?!
Particularmente, não acho “Green Book – O Guia” um filme inofensivo, pois reverbera um discurso de senso comum perigoso, comum aos eleitores de lideranças autoritárias, como o próprio candidato de Nick Vallelonga. O humor pode até funcionar em determinados momentos, entretanto, no final a principal comédia é ver tantas pessoas levarem a sério um filme ao mesmo tempo bobo e perigoso.
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