Fim de Festa (2019); Direção: Hilton Lacerda; Roteiro: Hilton Lacerda; Elenco: Irandhir Santos, Suzy Lopes, Gustavo Patriota, Amanda Beça, Safira Moreira, Leandro Vila, Ariclenes Barroso, Hermila Guedes; Duração: 94 minutos; Gênero: Drama, Thriller; Produção: João Vieira Jr., Nara Aragão; País: Brasil; Distribuição: Imovision; Estreia no Brasil: 05 de Março de 2020;
Corpos. A maneira como Hilton Lacerda os capta em seus filmes certamente tem para si alguma singularidade. Bem como o espaço que estes ocupam, em mais de uma maneira. A aglomeração que traz o carnaval, muitas vezes, representa uma espécie de alegria, liberdade. Estes mesmos corpos num espaço que não lhes pertence, porém, traz uma sensação completamente oposta. Que tremenda ressaca, afinal, o embate logo de cara que é travado entre a solidão do protagonista e a coletividade dos jovens coadjuvantes, quando o primeiro retorna para casa antes do previsto, encerrando abruptamente suas férias, para encontrar seu filho com os colegas no clima de pós carnaval.
“Fim de Festa” para todos ali, de certo modo. Mas a vida continua e é um misto dessas memórias de corpos se encontrando e dias, alguns quentes, alguns cinzas, alguns ambos. São nessas justaposições que Lacerda vai construindo sua narrativa, que envolve tanto mistério, como drama. É um thriller que vai se desenrolando de forma não só a envolver todos ali a sua volta, mas ao próprio espectador, nem que seja na sua faceta mais dramática para constituir uma reflexão sobre o status quo. Teria alguma data mais relevante para o lançamento de “Fim de Festa” que não fosse a semana após a festa mais popular do país, afinal?
Festa esta que, ainda, é encarada com demasiado preconceito. A maneira como o filme vai debater essas questões sociais está longe de ser original, com certeza, mas faz bom uso dos clichês quando mescla muito bem as antíteses que são alguns dos personagens. A forma como o marginalizado se vê indo de encontro à de elite, num discurso replicado em ignorância e que não passa, também, de um discurso da mais pura ignorância, que em suas próprias revelações expõe sua falácia. Um panorama muito pertinente sobre o contemporâneo da cultura social no Brasil hoje.
É verdade, também, que “Fim de Festa” deixa algumas ideias pelo meio do caminho sem explora-las o melhor que podia. São muitos elementos para pouco tempo, a resolução toda se dá em 90 minutos. Por mais que o desenvolvimento seja satisfatório, olhando para trás vemos como Hilton Lacerda abandona tramas por dificuldade de as encaixar tanto uma na outra, como no todo. Nada que estrague a narrativa, longe disso. São janelas que dão vislumbres para oportunidades desperdiçadas, mas que não influenciam diretamente na trama principal encabeçada por Irandhir Santos, que entrega uma atuação bastante inspirada e é um dos principais responsáveis por tornar todos os momentos aqui em atrativos.
A colaboração de Irandhir com Lacerda é tão certeira como em “Tatuagem”. Irandhir tem mais consciência sobre seu papel que os demais, por isso mesmo entrega tanto, num personagem que diz muito com seus trejeitos. É uma cumplicidade. Quanto aos outros, é Lacerda quem mais vai buscar, numa decupagem belíssima, o poder para fazer seu filme funcionar. É uma dança de corpos. Encontramos ali desde a violência mais primal do nosso ser, como a mais banal. Do amor não correspondido na solidão, no colo de alguém amado, ao enlaçar encalorado do amor fervente. Na aproximação e no distanciamento. Nas lembranças embaçadas de uma ressaca de dias anteriores, que soam diferente para cada um.