Excelentíssimos (2018); Direção: Douglas Duarte; Roteiro: Douglas Duarte; Elenco: –; Duração: 152 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Douglas Duarte, Julia Murat; País: Brasil; Distribuição: Vitrine Filmes; Estreia no Brasil: 22 de Novembro de 2018;
A destituição da então presidente eleita e reeleita Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, em 2016, gerou uma cisão política e social no país. Inúmeros cineastas acompanharam de perto todo o processo, que culminou na ascensão do então vice-presidente Michel Temer ao cargo de titular. Posteriormente, este foi pego em uma série de tratativas de corrupção, porém conseguiu se livrar de eventuais consequências decorrente do mesmo capital político que o levou até a chefia do poder Executivo. É interessante acompanhar diferente visões sobre tudo que se passou no país desde 2014, ano da eleição mais polêmica. O cinema passa a ter papel fundamental na construção da História Nacional, sendo posta em evidência imageticamente.
Tivemos anteriormente “O Processo“, da documentarista Maria Augusta Ramos, que abordava com ênfase no time de defesa da presidente, enquanto o processo de impedimento caminhava no Senado Federal, ou seja, nos últimos estágios. “Excelentíssimos” serve quase que como um prequel do filme de Augusta Ramos, pois aborda os estágios iniciais de todo o processo, até sua aprovação pela Câmara dos Deputados do Brasil. O principal diferencial é o espaço dado aos apoiadores do impeachment, de uma forma mais literal. Claramente, eles foram representados exatamente como são, deixando inclusive exposto a ideia de que aquilo tudo não se passava de um revanchismo pelas consecutivas derrotas eleitorais da oposição, além de uma bela oportunidade de se alçar ao poder. “Todo político quer, no fundo, ser presidente. Não tem quem não pense nisso em algum momento”, assim esbraveja o atual ministro da secretaria de Governo e então deputado, Carlos Marun (MDB-MS), uma das principais figuras da chamada “tropa de elite” do então deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ). Isso sintetiza o que de fato foi o cerne do processo.
Há muitas boas intenções no documentário de Douglas Duarte, sobretudo ao destrinchar a relevância que houve a eleição de 2014 para culminar no caos político, econômico e social ao qual o país infelizmente ainda vive -e há de viver nos anos que virão. Os principais problemas se iniciaram com a renovação da chapa Dilma/Temer, para o pleito de 2014. Após isso, a não aceitação da derrota e questionamento do processo eleitoral por conta do PSDB e de Aécio Neves, que culminaram numa aliança com Eduardo Cunha, que ascendeu ao posto de presidente da Câmara, segundo na linha sucessória. A falta de traquejo político da então presidente fez a mesma nomear o então vice presidente ao posto de articulador político do governo, o dando completa liberdade para articular a sua destituição. Houve profunda letargia por parte do governo ao compreender os movimentos que visavam usurpar o poder e as demais manipulações midiáticas, gerando manifestações populares favoráveis ao processo. Para finalizar, Duarte ainda aponta em “Excelentíssimos” a operação Lava-Jato como um instrumento para desestabilizar o governo e conduzi-lo ao fim, além de tirar do páreo o favorito ao pleito de 2018 e o maior líder popular vigente na América Latina, o presidente Luís Inácio Lula da Silva. Um governo julgado por corrupção, porém jamais por crime de responsabilidade, único mérito possível para o impeachment de um mandatário em exercício.
O problema de “Excelentíssimos“, entretanto, são os excessos de intenções. Ele tenta personificar os algozes de Dilma ao mesmo tempo que tenta dar voz aos seus defensores. Soa meio satírico a comparação, quase superficial. Não há uma intenção em aprofundar a retórica política, tão pouco o destrinchamento do impeachment vai se perdendo em alguns maneirismos previsíveis. Ele usa de uma ironia quase escancarada, por exemplo, da oposição comandar as principais funções que julgam o impedimento de uma mandatária de um partido que os venceu quatro vezes seguidas. Ele foge um pouco da temática para fazer um retrato do caos político brasileiro, repetidamente ele usa as palavras “Casa do Povo” ao se referir à Câmara dos Deputados, porém ele usa de imagens tão óbvias para demonstrar o quão segregadora é essa instituição.
O que aconteceu no Brasil de 2014 em diante serão fatos a serem estudados, por diversas áreas, sobretudo o Cinema. Contudo, a clareza que houve no país uma ruptura democrática, com um processo ilegítimo que destituiu uma presidente honesta, está praticamente sacramentada na narrativa nacional, não só pelos filmes feitos a partir desse processo, mais sim pelos autos-processuais, pelos fatos. Contudo, nada foi o mesmo desde aquela eleição, é um pontapé inicial para entender os rumos ao qual estamos caminhando, ainda que o cinema seja um alento e decisivo para analisarmos como, por qual motivo chegamos aqui e o que pode ser feito de agora em diante, não deixa de ser desesperançoso pensar no futuro. Infelizmente, nos resta lutar e refletir, aonde chegaremos.
O mais irônico, a frase do então presidente Eduardo Cunha, ao proferir seu voto no impeachment, soou quase profética: Que Deus tenha misericórdia de nossa nação.