“Elvis” (2022); Direção: Baz Luhrmann; Roteiro: Baz Luhrmann & Sam Bromell e Craig Pearce e Jeremy Doner; Elenco: Tom Hanks, Austin Butler, Richard Roxburgh, Helen Thomson, Luke Bracey, Olivia DeJonge, David Wenham, Kelvin Harrison Jr., Dacre Montgomery; Duração: 159 minutos; Gênero: Biografia, Drama, Musical; Produção: Baz Luhrmann, Gail Berman, Catherine Martin, Patrick McCormick, Schuyler Weiss; País: Austrália, Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros Pictures; Estreia no Brasil: 14 de Julho de 2022;
Baz Luhrmann é conhecido pela extravagância de seus filmes e seu ritmo visual frenético. Além do visual singular que dá vida aos seus filmes, a musicalidade também é outro elemento muito atuante em suas produções, geralmente numa união que, quando dá certo, é capaz de gerar uma sinestesia alucinante. Porém, é ao mesmo tempo bastante questionável a forma como ele tenta construir esse realismo mágico. Independentemente disso, no papel, na teoria, é um casamento perfeito para uma cinebiografia do “Rei do Rock”, Elvis Presley. Mas e na tela, qual o resultado, afinal? Luhrmann retorna aos cinemas quase uma década depois do decepcionante “O Grande Gatsby”, tendo dirigido pela última vez, de fato, apenas a première de “The Get Down”, série que realizou para a Netflix em 2016, e foi cancelada após apenas uma temporada, em 2017. Talvez o tempo pudesse ter exercido algum efeito, ou alguma reflexão, sobre a carreira do cineasta, mas a bem da verdade é que não parece o caso. Assim, Luhrmann retorna para entregar exatamente o que se espera dele, mais do mesmo e com problemas semelhantes aos vistos em seu último filme, que parecia não compreender a essência daquilo que Fitzgerald marcara na história da literatura norte-americana.
Se as mudanças em relação ao Nick Carraway de Tobey Maguire e a forma como ele introduzia a narrativa de “O Grande Gatsby” soavam como um equívoco, Luhrmann parece discordar e potencializa em “Elvis” tudo que havia de ruim ali naquelas ideias. A figura responsável por carregar essa cruz é Tom Hanks, que interpreta o empresário de Elvis, “Coronel” Tom Parker. A narrativa do filme parte do seu ponto de vista, como se tivesse algo a provar. Há uma fixação no personagem e sua suposta arte de iludir aos outros, ao público. É um tanto plausível entender o apreço de Luhrmann por esse aspecto, mas é muito confusa essa tentativa de dar um protagonismo a tal personagem, afinal Hanks rivaliza o papel central de Austin Butler (“Era Uma Vez em… Hollywood”). O problema maior, no entanto, é como essa espécie de antagonista é retratado. Ao mesmo tempo em que há essa construção da vilania, há de fato um apreço por ele, e isso resulta em algo caricato em quase todos os sentidos possíveis. Ao tentar ser lúdico, é como se houvesse uma tentativa de justificar esse maniqueísmo tosco no qual se torna o personagem. E como é ele quem conduz a narrativa do filme, inclusive narrando a história, além de soar até cômico, o foco no que realmente importa é deixado em segundo plano.
Elvis é o centro do filme, obviamente, mas a maneira como se opta por contar a história faz parecer que Austin Butler é um coadjuvante, faz parecer que Elvis é coadjuvante de sua própria história. É uma pena porque é algo que se perde em um processo muito interessante, o filme em si, a identidade visual, é muito boa e funciona de maneira épica em diversos momentos. Mas há esse desencontro narrativo, também refém dos excessos que Baz Luhrmann não consegue controlar. “Elvis” tem duas horas e quarenta minutos de duração, e ainda assim precisa se apressar para amarrar pontos soltos na história. O ato final parece uma corrida contra o tempo, e isso acontece porque quer se explorar muita coisa e a maioria acaba sendo superficial. A decadência de Elvis, por exemplo, é introduzida e resolvida de maneira até tímida. Mas o que mais decepciona é a falta de coragem em debater mais abertamente a apropriação cultural de Elvis sobre a música e elementos da cultura negra, porque por mais que apresente essas raízes, o tempo dedicado a essas figuras negras que influenciaram Elvis é quase um descaso. Não foge, por exemplo, do arquétipo do “Negro Mágico”, que em algum momento vai aparecer para aconselhar o Elvis de Austin Butler.
Butler, até certo ponto, pouco tem a ver com isso e faz sua parte no que importa: se torna hipnotizante ao interpretar Elvis. Se há alguma ilusão no filme, é em como ele consegue encarnar o cantor, incorporar toda aquela mística pela qual o estadunidense se apaixonou. Por mais que esteja longe de ser uma figura assim, chega a ser até sóbria a maneira com a qual Butler expressa essa miríade de sentimentos nas diferentes fases da vida de Elvis. O misticismo com o qual Baz Luhrmann retrata tudo isso, no entanto, não tem nada de sóbrio, e essa embriaguez é o que melhor funciona no filme. Várias sequências são construídas de maneira tão envolvente e extasiante, realmente empolgam. Mas são como pequenos recortes, quase filmes publicitários ou vídeo clipes. Assim, quando colocadas todas juntas, não funcionam no todo, porque a narrativa é convoluta e abarrotada demais. É quase como se Luhrmann se deixasse levar pelo encantador de serpentes e esquecesse daquilo que realmente importa, que devia estar no centro de seu filme o tempo todo. Quem realmente é Elvis parece se esquivar de Luhrmann, e o cineasta faz o mesmo, como se numa recusa de olhar para além da ilusão. O resultado é um filme elétrico, mas que sofre de sobrecarga de superficialidades.
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